BoJack Horseman e 13 Reasons Why: Uma lição como e como não retratar doenças psicológicas
- Tomás Madureira
- 11 de abr. de 2020
- 5 min de leitura

Comecemos por falar sobre a série “BoJack Horseman”, uma série que considero capaz de representar problemas psicológicos como depressão e vícios como o alcoolismo. A série segue o protagonista BoJack Horseman, um cavalo antropomórfico nos seus 50s que, na década de 90, foi protagonista de uma sitcom americana, recebendo dinheiro e fama como resultado dessa participação. Anos depois, BoJack tenta regressar ao centro das atenções, tomando iniciativas como tentar escrever um livro, tentar entrar num novo filme e ter novamente sucesso. Embora a série se centre nas peripécias do protagonista e seus amigos, existe uma segunda narrativa que se centra nos problemas das diversas personagens e a sua maneira de os enfrentar. BoJack, por exemplo, enfrenta a sua depressão e sentimento de falta de valor próprio através do abuso de álcool e de drogas, enquanto outros personagens mostram outras táticas, como por exemplo, não parar de trabalhar para não ter tempo de se preocupar com a sua vida, aceitar todas as propostas de convívio social e tentar exacerbadamente melhorar o dia dos outros. BoJack sente que o erro que levou à sua desgraça foi a sua incapacidade de criar relações amorosas duradouras (muito provavelmente devido à sua infância repleta de maus-tratos, desvalorização e violência), como é verificável nesta sua frase: “Se não te comprometeres numa relação, só vais ficar velho e fechado e mais sozinho, e vais fazer tudo o que podes para tentar preencher o buraco com amigos, carreira e relações sexuais sem sentido, mas o buraco não enche, e um dia vais olhar em redor e aperceber-te que toda a gente te adora, mas ninguém te ama. E essa é a maior solidão que existe.”
Embora grande parte dos personagens sejam animais, estes têm sentimentos bastante credíveis e realistas e sentem dificuldades com as quais nos podemos relacionar, tanto até que nos podemos rever nos personagens e associar pessoas que conhecemos a personagens da série, pois estas personagens são profundas, com qualidades e defeitos, alguns com explicação e outros não. O facto de nos podermos relacionar com as personagens torna a experiência de visualização muito mais imersiva e realista, podendo assim sentir mais facilmente aquilo que os personagens sentem e aquilo que vivem.
Do outro lado da moeda, temos a série “13 Reasons Why”, uma série que é hoje muito aclamada por ter tirado da “sombra” assuntos considerados taboo na nossa sociedade, assuntos como a depressão, suicídio, assédio, abuso de drogas e até mesmo violação. Infelizmente, por melhores que tenham sido as intenções dos argumentistas e diretores da série, que tinha como objetivo sensibilizar a audiência para todos os temas que aborda, esta acabou por ter o efeito contrário.
A série passa-se no ano 2016, numa pequena cidade nos Estados Unidos. A narrativa centra-se à volta de Clay Jensen, um jovem de 17 anos ao qual são entregues 13 cassetes gravadas pela sua colega Hannah Baker, nas quais estão explícitas as razões pelas quais esta se suicidou. Em cada uma destas cassetes Hannah foca-se numa pessoa diferente que contribuiu direta ou indiretamente para a sua morte. Com uma narrativa desta magnitude seria de esperar uma história profunda, detalhada e bem conseguida que levasse à imersão completa na história por parte da audiência. No entanto, este ideal é desconstruído quando se tem em atenção as diversas falhas existentes no universo desta série. Em primeiro lugar, a falha mais evidente é a falta de profundidade existente no elenco apresentado. Todos os personagens que encontramos são pouco profundos, não tendo qualquer história por detrás deles e não mostrando características próprias à sua pessoa, na realidade, os personagens são tão pouco explorados que estes se aproximam mais de “personagens tipo” do que de pessoas reais. Esta falha torna muito difícil de nos aproximarmos dos personagens pois é impossível rever-nos em qualquer um destes, não podendo assim sentir o que eles sentem ou colocarmo-nos no lugar deles. Em seguida, outra área onde esta série peca é na sua retratação das doenças psicológicas que a própria série tenta explorar, a depressão é exemplificada apenas como uma tristeza avassaladora quando na realidade é muito mais do que isso, sendo muitas vezes a falta de qualquer emoção por parte da pessoa que por esta é afetada. Também, para tentar lidar com a morte de Hannah, Clay desenvolve o que é chamado de esquizofrenia, mas que pouco se assemelha a esta, Clay tem visões de Hannah em diversas situações do seu quotidiano e consegue muitas vezes falar com estas visões, obtendo respostas. Quem sabe de que trata a esquizofrenia sabe que é totalmente impossível comunicar com as visões, quanto mais manter uma conversa aberta com estas. Por fim, o retrato que esta série faz do suicídio é errado, idiótico e imoral. Hannah, ao tentar lidar com a sua depressão, visita o psicólogo do seu liceu, no entanto, este é incapaz de a ajudar nos seus problemas, sendo apenas visto como uma perda de tempo. Ademais, o suicídio na sua totalidade é quase encarado por Hannah como uma forma de atribuir culpas, o que por si só é errado. A série no seu total é uma glorificação não-intencional do suicídio, colocando-o muitas vezes sob uma luz positiva e como sendo “A única opção”. Pior ainda é o facto de que a série ignora todas as regras dadas pela NAMI (National Alliance on Mental Illness) para a retratação de suicídios em séries e filmes, tendo em conta que o público-alvo desta série são adolescentes, os quais são mais propícios a passarem por situações de má saúde mental, o que demonstra uma falta de consideração por parte dos criadores da série para com a audiência da mesma.
Comparando as duas séries, um dos pontos mais importantes que posso destacar é o facto de que a depressão e os pensamentos suicidas de Hannah são quase tudo o que a caracterizam enquanto pessoa, mas quando falamos de BoJack, a sua depressão e o seu alcoolismo não são tudo o que o definem, havendo alturas em que esta é apenas algo com o qual ele tem que viver, mostrando assim indiretamente à audiência que as doenças psicológicas podem ser ultrapassadas, ou que se pode viver com elas, não incapacitando a pessoa na maioria dos casos, e deixando que esta tenha uma vida que não irá culminar no seu eventual suicídio. Assim, BoJack mostra que as doenças psicológicas não são uma sentença de morte, mas sim um obstáculo com o qual muitas pessoas têm de lidar. Destaca também que a comunicação e a procura por ajuda são essenciais para quem procura melhorar ou ultrapassar a sua doença psicológica, seja ela apenas psíquica, como a depressão, ou também física, como o alcoolismo ou outros vícios. De qualquer das formas, ambos podem ser tratados ou mitigados quer através de consultas de psiquiatria, medicação e, caso seja necessário, clínicas de reabilitação.
O que me entristece verdadeiramente é o facto de, na sua série, Hannah ter desistido completamente da sua vida após uma tentativa. A última coisa que ela fez antes de terminar a sua vida foi visitar um psicólogo, e ao concluir que este não a podia ajudar, em vez de procurar outro que pudesse fazê-lo, tomou este falhanço como a sua sentença de morte, desistindo da sua vida e pondo-lhe fim. Com isto a ideia que pretendo transmitir é que não devemos desistir quando a vida nos oferece obstáculos, mas sim continuar em frente, especialmente quando a adversidade que encontramos nos torna tristes e miseráveis. Peço a todos os que sofrem que falem e que se façam ouvir, e, no caso de precisarem de ajuda, para comunicarem com o contacto de que disponho: 808 200 204 (SOS ajuda emocional).
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