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Bolas de Luz a correr...

  • Foto do escritor: Madalena Cassiano Santos
    Madalena Cassiano Santos
  • 2 de mai. de 2020
  • 3 min de leitura

E ali estava eu, sentada num pequeno muro olhando em redor, e demoradamente o meu olhar percorria todos os prédios que nos rodeavam. Noutra circunstância, estes prédios, juntamente com a sujidade das ruas e a minha imaginação, far-me-iam sentir medo ou ligar todos os meus alertas mentais para o que pudesse vir a acontecer. A noite fria e escura deveria agravar este tipo de reações, mas não o fez.

Ali estava, sentada num muro de onde podia observar tudo em meu redor, demoradamente, naquele sítio, cerca de oito prédios cercam um pequeno e sujo jardim onde jaz um campo de futebol já velho e bastante decadente. A fraca luz amarela dos candeeiros em bola incidente nos prédios fá-los parecer maiores e ainda mais opressores daquele jardim. O vento arrasta pedaços de cartão, fazendo ecoar um ruído grave mas intermitente no escuro. Este ruído não era nem será jamais o ruído dominante naquela tentativa de clareira entre os prédios.

Era um fim de tarde de fevereiro, no qual já tinha anoitecido, e naquela cratera sinistra de prédios cor-de-laranja a luz que mais brilhava não era a amarela dos candeeiros nem a pálida da lua cheia. Em toda aquela escuridão havia luz, muita luz, como nunca tinha visto. Esta era uma luz diferente, para além da sua beleza simples, clara e nítida, era quente, como uma lareira que para além de aquecer ilumina.

Esta luz diferente consegue correr, consegue gritar e sabe sorrir. De onde estou, sentada, vejo várias luzes a correr pelo meio da cratera, percorrem-na, deixando-a iluminada, embelezando-a e repelindo o seu caráter assustador. Chegam a conseguir fazer desta cratera um sítio muito bonito e agradável de se estar naquela tarde\noite fria mas já não tão escura de fevereiro. Com todas estas pequenas luzes a sujidade desvanece-se e tudo o que parecia ameaçador torna-se sereno e transmite paz.

Dentro destas bolas tinha de haver alguma coisa, mas quem ou o quê? Quem seria capaz de emanar tamanha luz, iluminando aquela cratera daquela forma apenas por atravessá-la? Não tem mais de treze anos e a sua presença, seja onde for, é capaz de embelezar um lugar. A correr de um lado para o outro são como estrelas cadentes que se deslocam a grande velocidade, contendo muita energia, por vezes parando para descansar, mas sem nunca perder o brilho. Por onde passam deixam um rasto de luz. Com eles presentes, até um saco de plástico que voava em círculos por causa do vento sibilante aparentava estar alegre na sua miséria, era bonito vê-lo dançar baloiçando ao som do uivar malicioso do vento, cuja malícia era anulada pela beleza daquela coreografia.

Num canto empedrado formado numa reentrância entre dois prédios, três ou quatro garrafas de plástico estavam a ser arrastadas pelo vento fazendo soar um rugido grave e rouco. De tempos em tempos passava um avião e nesse momento dava-se o caos. Era ensurdecedor, os sons do vento, das garrafas e do avião pareciam não conhecer o conceito de cooperação, não se preocupando em formar uma melodia, tentavam apenas conseguir cada um receber mais atenção e ser mais ouvido do que o outro. Toda esta cacofonia e tentativas de atenção várias soavam nos meus ouvidos apenas como um zumbido distante que pouco me incomodava. Toda a minha atenção estava presa neles, naquelas bolas de luz que faziam aquele sítio tão especial e fascinante.

O que eu ouvia era a sinfonia que saía das bolas de luz, risinhos, guinchos e alguns gritos que juntos e sem procurar atenção a recebiam. Aquela harmonia era agradável aos meus ouvidos, mas, infelizmente, não o era aos ouvidos de todas as pessoas. Como é que podia ser eu a única a ver e ouvir tudo aquilo? Provavelmente não seria só eu mas a verdade é que aquela beleza não era reconhecida por todos os circunstantes.

Por vezes parecia que quem por ali passava e nada daquilo via estava ou cego ou surdo. É pena que, para eles, os sons mais audíveis sejam a cacofonia do vento, das garrafas e do avião e as luzes que lhes iluminam o caminho sejam as amarelas dos candeeiros e a fria da lua, quase tão fria como aquela noite na qual faziam o seu caminho para casa sem nada que os aquecesse. Talvez esta lhes baste, mas é pena.

É pena, de certeza absoluta que iriam apreciar aquele espetáculo se o vissem, se, ao se cruzarem com aquele cenário, levassem um pouco daquela luz e fossem iluminando e aquecendo o seu próprio caminho. Nesse mesmo fim de tarde noturno vi uma senhora que, por momentos, ao passar, parou, observou a cena e sorriu, e depois disto seguiu o seu caminho, mas caminhava agora de forma diferente, também ela brilhava e sorria, de certeza que levou aquela luz para casa e mesmo que vivesse sozinha nem que fosse no dia seguinte aquela luz iria chegar a mais alguém.


Ilustração de António Neves

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