Um breve ensaio sobre a Tauromaquia
- Leo Lucas Von Friesen
- 6 de dez. de 2020
- 4 min de leitura
A redação deste artigo resulta do meu desejo antigo e profundo de dar a conhecer a todos o magnífico mundo que é a Festa dos Toiros, um mundo acarinhado por tantos, em lugares tão distantes como Arles, Lima ou Vila Franca de Xira. Procurei afastar-me da dimensão política do assunto, assim como do debate existente em torno deste. Tentarei, humildemente apresentar a minha percepção acerca do que é o Mundo dos Toiros, de modo a dar a conhecer aos leitores um pouco da minha experiência enquanto aficionado aos Toiros, esperando persuadi-los da profundidade intelectual da Festa mais portuguesa de Portugal.
O Toiro
A peculiar realização cultural que é a Festa Brava caracteriza-se essencialmente pela veneração de um animal irracional, mas bravo e majestoso, o Toiro Bravo ou Toiro de Lide (destinado a ser lidiado). Esta atitude adotada pelos aficionados perante o Toiro é incompreensível para muitos nesta sociedade profundamente afastada da realidade rural e das suas concepções, mas é, apesar disso, de valorizar. Assinalava com perspicácia o respeitoso engenheiro Dr.Joaquim Grave, homem erudito e culto, merecedor da maior das admirações, ganadeiro, veterinário, engenheiro agrónomo, entre muitas outras ocupações, que os paladinos do animalismo idiota (em contradição com qualquer visão ecológica realista e virada para a ruralidade, como era a do saudoso Mestre Gonçalo Ribeiro Telles) falham redondamente ao quererem reduzir o complexo mundo dos Toiros a uma realidade negativa e violenta, sendo isso prova do grande desconhecimento e distanciamento dos urbanos em relação à realidade autêntica do mundo rural e das suas expressões várias, em suma, do campo.
Voltando ao Toiro
É certo que o Toiro, sendo o Rei desta expressão cultural antiga e carregada de simbolismo, deve ser respeitado e cuidado em todas as fases da sua existência, do campo ao matadouro (ou do campo ao campo, no caso de se ter mostrado realmente bravo em praça). No entanto, a meu ver, um autêntico aficionado dirá mais, dirá que o toiro deve constituir a própria essência das corridas de toiros e demais atividades tauromáquicas. Sem Toiro não há Festa, Toiro verdadeiramente bravo a tauromaquia não é autêntica, não tem alma, é apenas uma ilusão.
Dito tudo isto, os leitores pensarão que me dediquei exclusivamente a tecer elogios ao Toiro Bravo, na verdade, a aficion é aos Toiros e, por essa mesma razão, estes devem ocupar sempre a dimensão central do espetáculo. A Tauromaquia, quando cujo foco está nos seus protagonistas humanos, é de valor, mas para ser completa deve colocar o Toiro ao nível do Forçado, do Cavaleiro ou do Matador de Toiros. É fundamental assinalar que a Tauromaquia consiste numa simbiose entre o homem, que desafia, e o Toiro, que é desafiado e que aceita o mesmo, estabelece-se uma relação que é próxima da alquimia, é dança, é teatro, é, em seu conjunto, Arte.
A arte dos Toiros está repleta de símbolos, é esotérica, todos os seus elementos têm um significado visível para todos e outro que está apenas ao alcance dos mais instruídos na matéria. A arte dos Toiros preza valores eternos, antiquados para alguns iludidos bem-pensantes que minam as nossas sociedades ( e que nos pretendem impor, por todos os meios, uma visão do mundo), tais como a comunhão com a natureza, a forte religiosidade, o respeito pelos antigos e pelos mestres que foram iniciados no ritual tauromáquico pelos anciãos do seu tempo (que por sua vez herdaram o seu conhecimento de uma experiência multissecular com origens nos rituais antigos de Creta e outros de divinização do Toiro, símbolo de virilidade e de força), anciãos estes que deram as suas provas nesta arte e que, por isso, dispõem de autoridade e de direito à crítica na matéria. Penso ainda em todos os outros valores direta e indiretamente associados à aficion que são transmitidos aos mais jovens, tais a cortesia, o espírito galã, a procura da elegância, a coragem e tantos outros elementos que nos levam, aficionados, a encarar a Tauromaquia como a escola da vida, na qual crescemos e vivemos, e pela qual lutaremos fazendo uso dos elevados valores que dela retirámos e que nos foram transmitidos.
Termino com o Toiro
A minha perspetiva da Tauromaquia, especialmente virada para o Toiro, não me impede de reconhecer o devido mérito à raça e à valentia dos últimos gladiadores da nossa civilização, os Forcados Amadores (que são, a meu ver, os que menos reconhecimento recebem e que mais vivem e sentem o Toiro, passo o pleonasmo), mas também de apreciar a arte dos herdeiros da mui nobre arte de bem cavalgar do ginete português, os cavaleiro(a)s tauromáquico(a)s (que devem surpreender os espectadores o público pela sua arte e pela sua dedicação ao Toiro, da bravura do qual dependem na obtenção dos seus triunfos).
Deixo como nota final a ideia de que o Toiro Bravo, o Deus da Lezíria, o Rei do Montado, autêntico animal de combate, é o que nos move, é a força quase que divina e sobrenatural que leva os artistas a lhe dedicarem toda a sua vida e todo o seu pensamento, é o ímpeto que leva certos corajosos e, de certa forma boémicos (nostálgicos de um tempo perdido), a sujeitarem-se ao perigo e à morte, na esperança de disputarem um duelo que os poderá transportar para a eternidade, através dos seus triunfos, e é o que move os aficionados aos templos dedicados aos Toiros, as praças de toiros. Os Toiros fazem sonhar, jovens e idosos, como eu, que se revêem na escola da tauromaquia e que rejeitam submeter-se aos que, cheios de arrogância, pretendem retirar-nos a nossa liberdade (e a do Toiro, por ignorância) e que desejam destruir o mundo do animal mais livre de todos, o Toiro.
Convido os leitores a procurarem conhecer este mundo misterioso e único, se ainda o desconhecem, mas que, apesar de ser um pouco fechado, oferece prazeres indescritíveis uma vez que se penetrou nele. Peço aos aficionados que ajudem os profanos a descobrir e a aprofundar a sua cultura taurina, dentro e fora desta, através das obras de literatura que a retratam (como as do ilustre aficionado americano Ernest Hemingway autor das obras-primas Morte ao Entardecer, Fiesta ou O Verão Perigoso), por meio dos pasodobles (que transformam em notas musicais e melodias a emoção e o sentimento da tauromaquia), assim como através dos fados marialvas e de monumentos como a composição Eh Toiro!, da nossa Amália, transmissores da nossa saudade deste mundo de vivências e de valores idílico que ainda não sumiu, e que ainda pode ser preservado...
Leo Lucas Von Friesen, 2020
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