Nação valente, unida e igual
- João Maria Relvas
- 21 de abr. de 2020
- 4 min de leitura

25 Abril 1974, 00h 20min, toca, no Rádio Clube Português, o segundo sinal de uma revolução iminente, a música Grândola Vila Morena, de José Afonso, ilegal durante o regime do Estado Novo: era a senha para sair dos quartéis, já controlados, e desencadear as operações destinadas a pôr fim à ditadura em Portugal. Depois do sucesso da Revolução, e durante o processo de democratização, o Partido Comunista Português assume a liderança, ocupando propriedades, casas e empresas e obrigando muitos portugueses a fugir, perseguidos como “capitalistas”, “fascistas”, entre outros. Depois de ser devolvido o poder à fação moderada das forças armadas, a 25 de novembro de 1975, é tentado um golpe final comunista, falhado. Foi, assim, a partir desta data, possível alcançar e consolidar a tão desejada democracia, e é formado um governo socialista, encabeçado por Mário Soares. 25 de novembro de 1975 foi a verdadeira data da vitória democrática, mas desde sempre é o 25 de Abril, a Revolução dos Cravos, que se comemora, todos os anos, com “pompa e circunstância” e cerca de 700 pessoas (números de 2019) na Assembleia da República. Este ano, começado em março, tivemos um abalo nas nossas vidas e na nossa liberdade: a chegada do novo coronavírus. Aprovado o Estado de Emergência, com um documento redigido pelo Presidente da República com ajuda do Conselho de Estado, pelo Governo e pela Assembleia da República, os portugueses foram confinados às suas habitações. Hoje, escolas estão fechadas, cerca de 900 mil trabalhadores em lay-off e muitos outros em teletrabalho, as saídas da habitação estão restringidas ao mínimo e essencial, os ajuntamentos estão proibidos, se com mais de 5 pessoas, os dias de anos passam-se isolados e sem festa, as missas ocorrem sem fiéis, os casamentos e os batizados estão a ser adiados, a Páscoa, tradicionalmente época familiar, e a data mais importante no Calendário Católico (que representa cerca de 85% dos portugueses), teve de ser celebrado com avós separados dos filhos e netos, pessoas morrem sozinhas nos hospitais, sem visitas dos que mais gostam, e funerais com número limitado de pessoas. Estes são os sacrifícios pedidos a todos e cada um dos portugueses, sem exceção, que, em geral, corresponderam à altura e criaram o planalto tão falado pela Diretora-Geral da Saúde e a “mola” foi comprimida, não sobrecarregando os hospitais. É, também, neste panorama, que o Sr. Primeiro-Ministro anunciou que iremos ter um desejado verão, mas com restrições. Os esforços de uma nação valente e de um povo, que, durantes os seus quase 900 (877) anos de história, já passou por quase todo o género de atribulações (desde a independência, à conquista do mar,…), foram, sem dúvida, recompensados com números epidémicos simpáticos, se comparados com alguns dos nossos parceiros europeus. Contudo, existe parte de uma classe ( a maioria por sinal), a política, que se assume acima de qualquer outro português, e com isso poder pôr em causa tudo o já conquistado: esta classe pretende comemorar o 25 de abril com 130 pessoas num espaço fechado. Esta celebração não se trata de um hino à democracia, como alguns querem fazer passar: o Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, respondeu ao Jornal Público que esta celebração é uma afirmação de que “não sairá desta crise qualquer alternativa antidemocrática” e Manuel Alegre, que encabeça a petição a favor da comemoração desta data, usa o argumento: “A democracia não está nem pode ser suspensa”. Nenhum dos assinantes da petição contra as comemorações, de modo algum, põe em causa a democracia ou afirmou qualquer tipo de suspensão presente ou futura da mesma, não é, nem nunca será esse o objetivo da petição, mas, sim, um apelo veemente à responsabilidade da maioria dos deputados que mandam TODOS os portugueses para casa com abstinência de socialização, e, à primeira oportunidade, são os primeiros a desrespeitar a própria ordem. O 25 de Abril foi um data importante, e, de forma alguma, deve ser apagada da história, ou da memória de Portugal e dos portugueses - tal como é o 1º de Dezembro de 1640, assinalado com um feriado, ou mesmo o 5 de Outubro de 1143- mas nesta época tão especial as comemorações, se feitas, nunca o devem ser nos moldes anunciados (exemplo dos 75 anos da libertação do Holocausto, feita por videoconferência na Alemanha), por duas razão: uma de saúde pública, pondo em perigo 130 pessoas (muitos dos iguais considerados “de risco”) e suas famílias, e outra, de muito maior peso para o português comum, de simbolismo (os governantes devem ser aqueles que dão o exemplo, a liderança e a confiança de um povo devem, antes de palavras, serem conquistadas através de ações, não respeitar as próprias ordens passa uma mensagem bem clara ao povo: “não há assim tanto perigo como anunciado”). A Revolução dos Cravos foi há 46 anos, agora é hora de enfrentar um novo ataque à liberdade dos portugueses, o coronavírus, e contra ele travar uma guerra. Deixemos as celebrações políticas presenciais para outra altura, como a todos nos é obrigado, e bem, a fazer, nunca pondo em risco a democracia vigente! Dito isto, deixo uma pergunta aos senhores deputados, favoráveis às comemorações nos moldes estabelecidos, e governantes deste pequeno grande país: Como esperam que, depois de não terem cumprido as próprias ordens, os portugueses aceitem com seriedade as restrições ao Verão, as festas com os amigos, ou a presença em funerais de familiares, se os deputados não se conseguem conter em comemorações um ano? De um Português orgulhoso que quer sair o mais rapidamente de casa e beber um copo com os amigos.
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