No Irão, as mulheres também gostam de futebol
- Lourenço Barjona
- 15 de abr. de 2020
- 3 min de leitura

Nos últimos tempos tenho tido a oportunidade de expandir os meus horizontes cinematográficos. Esta semana deparei-me com um filme iraniano chamado Offside (2006), que me abriu os olhos para o genial conceito por detrás do cinema amador do médio oriente.
O enredo da obra é simples, passa-se no Irão, onde as mulheres estão proibidas de assistir a jogos de futebol, e uma jovem rapariga mascara-se de rapaz para tentar entrar no estádio. Até aqui nada de especial, onde o filme se excede é na sua execução. Por haver uma grande censura neste país, muitos artistas com ideias mais revolucionárias são incapazes de conseguir financiamento ou apoio do estado, e, como tal, é necessário reinventarem os métodos tradicionais para realizar as suas obras. A filme em análise foi filmado na íntegra durante um jogo de qualificação para o mundial, entre o Irão e Bahrain. O cenário é um estádio real, os extras são verdadeiros fãs de futebol, todo o ambiente em que o filme se encontra é real. E vocês, caríssimos leitores, devem estar a pensar “isto é basicamente um documentário”. Não exatamente, porque muitas pessoas que vemos são personagens representadas por uma dúzia de atores amadores, nomeadamente as mulheres que tentam entrar no estádio, alguns adeptos, guardas e também o condutor do autocarro. No entanto, estas personagens são meramente secundárias, visto que o grande protagonista da obra é o Irão enquanto nação.
Tal como já tinha referido, este formato de realização é comum a artistas com ideologias revolucionárias e, muitas vezes, é utilizado como forma de expôr e demonstrar o seu descontentamento para com os regimes a que estão sujeitos. O filme de que vos falo é na verdade uma mensagem contra a segregação sexual no Irão, e a história é inspirada pela filha do diretor Jafar Panahi que tentou também infiltrar-se num estádio. Esta longa metragem não se trata de uma crítica política, mas limita-se a demostrar uma realidade que está, por natureza, errada. Os artistas deste movimento reconhecem que o seu público é capaz de separar o bem do mal, e por isso a sua arte é desprovida de qualquer visão objetiva, uma vez que quando algo é verdadeiramente mau a critica é desnecessária, a demonstração é mais que suficiente.
Após uma curta temporada em exibição o filme foi retirado dos cinemas iranianos, e, no entanto a obra escapou para ocidente, onde foi recebida bastante positivamente pela crítica, tendo ganho um Urso de Prata no festival internacional de cinema de Berlim, e tendo aparecido nas seleções do festival internacional de cinema de Toronto e Nova York, um feito impressionante para um filme com um orçamento estimado de dois mil e quinhentos dólares americanos.
Este movimento cinematográfico, que pode ser caracterizado como uma espécie de “pseudorrealismo”, tem sido uma fonte de inspiração para alguns artistas do mundo ocidental, como é o caso do ator e comediante Sacha Baron Cohen em Borat(2006) e Brüno (2009) e também de Casey Affleck e Joaquin Phoenix, em I'm Still Here (2010).
O grande realizador Jean-Luc Godard tem uma frase que eu acho especialmente interessante, ele diz-nos que “a fotografia é a verdade e o cinema é a verdade vinte e quatro vezes por segundo”, isto para dizer que a arte tem um poder imenso, diria mesmo que move montanhas. Após o lançamento deste filme o número de mulheres que tentaram assistir ilegalmente a eventos desportivos multiplicou-se.
As mulheres iranianas podem assistir a jogos de futebol desde o ano passado.
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