Os grandes artistas roubam, não fazem homenagens
- Lourenço Barjona
- 10 de abr. de 2020
- 3 min de leitura

Em 1994 numa entrevista à Empire Magazine Quentin Tarantino disse que “Os grandes artistas roubam, não fazem homenagens”. Confesso que acho esta frase especialmente interessante, não só pelo seu conteúdo, mas também porque ela própria foi roubada a outro grande artista, Pablo Picasso que acreditava que “os bons artistas copiam, os grandes artistas roubam”. Na mesma entrevista Tarantino refere também “eu roubo de todos os filmes que já foram feitos”.
Sendo a originalidade algo tão valorizado no mundo das artes acho interessante o como um artista tão conceituado admite recorrer ao plagio nas suas obras. Para entender este “roubo” é necessário darmos uma vista de olhos aos filmes do Director.
Antes de mais é importante referir que apesar dos constantes paralelismos e semelhanças a outros filmes Tarantino é um artista extremamente original. Os seus filmes são caracterizados pela gráfica e exagerada violência, os diálogos provocadores e repletos de humor negro, o frequente uso de narrativa não linear e as icónicas bandas sonoras que tornam os seus filmes tão únicos, o “roubo” serve apenas como a cola que os une.
Quando apresentado ao público, o primeiro filme de Tarantino, Reservoir Dogs (Cães de Aluguer na tradução portuguesa) foi extremamente criticado. Muitos acusavam a obra cinematográfica de plagiar o filme chinês City on Fire visto que o enredo do Reservoir Dogs baseia-se nos minutos finais deste. No clímax do filme após um assalto que correu mal os assaltantes reúnem-se no seu designado ponto de encontro onde chegam à conclusão que um dos membros do bando é um informador da polícia, cabe-lhes descobrir qual. Esta ideia constitui o ato final do City on Fire e o Reservoir Dogs na sua totalidade, o plagio é evidente. O diretor não ficou por aqui no seu tão famoso “roubo”, o filme Jackie Brown (1997) apresenta muitas semelhanças ao filme Foxy Brown (1974), e o Kill Bill (2003/2004) é altamente influenciado pelo Lady Snowblood (1973), o Inglourious Basterds (2009) retira do Dirty Dozen (1967) e o Django Unchained (2012) do Django(1966).
O Mark Twain diz-nos que “Não há tal coisa como uma ideia nova. É impossível. nós limitamo-nos a pegar em ideias antigas e em colocá-las numa espécie de caleidoscópio mental. Nós rodamos um bocado e fazemos uma nova combinação curiosa. Nós continuamos a rodar e a fazer novas combinações indefinidamente; mas sempre foram as mesmas peças de vidro colorido que estiveram dentro de nós.”
Eu gosto de pensar nos filmes do Tarantino como uma espécie de colagem. Frequentemente vemos as suas versões de cena e imagens memoráveis de outros filmes. Um dos meus exemplos preferidos disto será a icónica dança entre Mia Wallace e Vincent Vega em Pulp Fiction (1994) em que a cena é inspirada por uma sequência do Band of Outsiders (1964), a coreografia é retirada de uma cena do 8 ½ (1963) e os passos de dança são copiados da serie Batman (1966) e do filme Os Aristogatos (1970).
Através da sua imaginação e do seu vasto leque de fontes de inspiração, Quentin Tarantino tem vindo a rechear o mundo dos cinemas com os seus clássicos instantâneos, isto vem de um enorme respeito pelo formato. Citando-o mais uma vez “se nós realmente amarmos o cinema é impossível fazer um mau filme”. Cada filme do diretor é uma carta de amor disfarçada, uma carta de amor à sétima arte e àqueles que o precederam. O “roubo” é na verdade uma reciclagem, é pegar naquilo que é bom e reutilizar, é torna-lo novo mudando-o o suficiente para continuar a ser original.
Não é por acaso que o Tarantino é tão conceituado, o seu conhecimento enciclopédico da sétima arte dá-lhe um entendimento que o faz capaz de criar obras primas nos mais variados géneros do cinema, deixando sempre a sua assinatura numa obra que é de muitos outros também.
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