top of page

O Círculo

Início: Bem-vindo
Início: Blog2

Uma Crónica de Verão

  • carolinarnedo2002
  • 27 de ago. de 2022
  • 3 min de leitura

Há uns dias, sentei-me para beber um chá frio de frutos vermelhos no Martinho da Arcada e, quem sabe, pôr a leitura em dia, e eis que ouço uma conversa entre dois jovens licenciados. Um deles, a caminho do mestrado, manifestava – com ânimo – uma meta profissional a atingir: tornar-se comentador televisivo.


Perdoem-me a ignorância, mas isso já consta do cardápio de profissões dos testes psicotécnicos? Ou é uma peculiaridade nova, como o cozido à portuguesa vegan?


Mas, afinal, o que é isto de ser comentador? Bem, ser comentador é uma espécie de tofu do mundo profissional, está assim para o ofício, como Estudos Gerais para a formação académica. Ou seja, não é preciso saber muito de nada, o ideal é, mesmo, saber de tudo um pouco. Se os recursos humanos da ZARA procuram funcionárias de mau humor, pouco colaborativas e com cara de sopa azeda, os comentadores precisam, certamente, de uma boa dose de auto confiança e três camiões de indignação. É imprescindível ter uma postura de abundante e reiterada indignação perante todo e qualquer tipo de acontecimento. Principiamos com «Flávio Furtado indignado com a entrada de Bruna Gomes no Big Brother – Desafio Final» até coisas que, quiçá, realmente importam, tais como «Presidente da Transparência Internacional Portuguesa vê com indignação contratação de Sérgio Figueiredo pelo Ministério das Finanças». Em bom rigor (e que mal que aqui assenta a expressão) não importa muito o conteúdo da indignação, importa, sobretudo, o autor da dita cuja, isto é, quem se indigna. Se não, vejamos: se este Flávio Furtado – que, sejamos sinceros, ninguém sabe muito bem quem é – se indignasse com Bolas de Berlim de Beterraba na Praia do Ancão, ninguém daria particular importância. Mas e se fosse Marcelo Rebelo de Sousa, numa das suas idas à Praia dos Pescadores? Que, impregnado de vox populi, se indignasse e soltasse um: «Mas que javardice é esta?» em frente às câmaras. Assistiríamos, provavelmente, à sentença de morte das Bolas de Berlim de Beterraba (Graças a Deus, diria eu, pois mais vale tarde que nunca).


Avançando neste iter imaginário, teríamos, certamente, nesse mesmo dia, no Jornal da Noite, um painel de especialistas, que nos explicariam, ex abundantia, os motivos e as repercussões da veiculada e dirigida animosidade do Presidente da República às Bolas de Berlim de Beterraba.


Joana Amaral Dias diria, em alto e bom som, que «é uma falta de noção discriminar as Bolas de Berlim em função dos seus ingredientes, por Amor de Deus, estamos no século XXI !!!»; Mauro Paulino, por seu turno, num tom mais coloquial e compreensivo, declararia que durante a infância e adolescência do Presidente Marcelo poderia ter ocorrido algum tipo de trauma, associado a esta planta herbácea da família das Quenopodiáceas e daí, talvez, a sua reação exacerbada. Já Luís Marques Mendes, que não deixa passar uma, sacaria de um gráfico de barras para mostrar a importância das Bolas de Berlim de Beterraba na economia portuguesa e lamentaria: «era escusado que Marcelo Rebelo de Sousa se expressasse daquela forma, mas pronto, já está, não há nada a fazer … todos temos momentos menos bons, é aceitar, aprender com os erros e seguir em frente».


E nesta errante deambulação, dou por mim a pensar: quem teria mais dificuldade em apreciar comentadores televisivos? Descartes, que proclama, até à náusea, a dúvida metódica? Ou Rui Rio, depois de todos os comentadores terem afastado a ideia de uma maioria absoluta do Partido Socialista? Rui Rio, porventura, penso eu, porque Descartes, é sabido, expressou a sua indignação somente numa língua e Rui Rio conseguiu expressar a sua em duas: português e alemão, recordam-se? «Ich weiss nicht was Sie sagen».


Ademais, é fundamental que a indignação seja expressa de forma veemente, mas também condescendente, pois que, como se sabe, o público não alcançou, nem jamais alcançará, a erudição e elevação de um comentador televisivo. Tenho para mim que, os comentadores ou, se quisermos ser arrojados, os especialistas devem seguir um curto e rigoroso manual de instruções, caso queiram ser bem-sucedidos. Preliminar e essencial é difundir, com pezinhos de lã, que se domina e perfeitamente a temática em questão, seja ela qual for, e, de preferência, com o apoio visual (de um daqueles gráficos circulares que aprendemos todos a fazer no Magalhães, todos menos eu, que estava a jogar SuperTux); depois é expressar profunda e profusa indignação pelo sucedido; por fim (à semelhança dos anúncios de medicamentos 3 em 1, daqueles que eliminam 99,9% dos fungos das unhas; um clássico da primavera-verão) explicar em, não mais que, dois ou três passos como se resolve ou soluciona a visada problemática.


Mas, sejamos honestos, se o Medina conseguiu chegar a Ministro das Finanças, quem somos nós para impedir a promoção de conversas de café a debates televisivos?


Carolina Arnedo


 
 
 

Comments


Entra em contacto

Somos O Círculo, seja O Círculo também.
Envia-nos aquilo que queres partilhar com o mundo!

967434145

Obrigado pelo envio!

Início: Entre em contato

©2019 por O Círculo. Pela Arte, Política, Cultura e Fé.

bottom of page