Escolher não ser livre: do medo em 1984 à era do entretenimento em Admirável Mundo Novo
- Maria Dominguez
- 25 de abr. de 2020
- 2 min de leitura

Vivemos a distopia. Tememos e escrevemos, hoje, sobre as máquinas, a opressão e os totalitarismos como dantes se escreviam e temiam os deuses e monstros além Bojador. Na verdade, cada vez mais, a realidade com que nos afrentamos assemelha-se ao que, no século passado, não passava de um pesadelo longínquo sonhado e transcrito para o papel por aqueles que, sensíveis à sua conjuntura, foram capazes de prever a nossa.
Mas não vivemos, plenamente, a distopia Orwelliana, de 1984. Atrevo-me a dizer que, muito provavelmente, essa não voltará na integra (ou, se voltar, apenas o fará para cumprir o papel da História e repetir-se, de vez em quando). Para quem desconhece a obra, 1984 é um romance distópico que convida o leitor a conhecer um superestado em constante guerra governado pelo “Grande Irmão” e uma elite privilegiada que constantemente recorre ao medo e a diversos mecanismos de opressão para manter sob controlo qualquer forma de individualismo ou liberdade de pensamento. Deste modo, é impossível não ver no “Grande Irmão” uma ditadura do passado, sempre presente. A constante vigia, o poder pelo medo, a opressão, a violência... A História ensinou aos líderes, perdão, aos mais iluminados, os podres desta forma de governar e, pior ainda, ensinou ao povo que o medo não é travão suficiente à mudança.
O que acontece em Admirável Mundo Novo, obra de Aldous Huxley, é diferente, audaz. Neste romance, também ele distópico, a sociedade está dividida por castas, sendo que o nascimento condiciona totalmente o cargo que cada um haveria de exercer na sociedade. Por outras palavras, escolhe-se a dedo a quem se dá os berços de ouro. Neste “mundo novo” não há a necessidade do medo. Se, por um lado, em 1984 é crucial constantemente alterar-se factos, proibir-se livros e exaltar-se o poder do estado. Em “Admirável Mundo Novo” toda uma sociedade fica controlada pelo entretenimento e pelo prazer. Os filmes feitos só para ocupar as horas, os desportos triviais e as relações despegadas de tudo consomem o tempo de um rasgo. Posto isto, em nada vale a pena esconder ou oprimir a “verdade”, em Admirável Mundo Novo, pois o cidadão já não a procura. Reina assim uma total apatia e desinteresse, em nada suficientes para derrubar qualquer forma de tirania.
Deste modo, não julgo ser ousado concluir que Huxley soube prever melhor o que poderá vir a ser o nosso tempo. Sermos escravos de redes sociais, do constante lazer ou até do puro desinteresse coletivo já foi, confesso, uma realidade mais longínqua. Mas não estar informado, quando se escolhe, é não escolher ou escolher sem liberdade. Assim, devemos não ignorar o aviso. Querer saber e procurar saber mais para, no fim, poder escolher melhor e conscientemente. Isto porque o único crime maior que nos ser roubado o direito a decidir é o de sermos nós quem, deliberadamente, renuncia a essa liberdade.
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