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Fernando Pessoa e o valor das densidades psicológicas

  • Foto do escritor: Maria Dominguez
    Maria Dominguez
  • 17 de abr. de 2020
  • 2 min de leitura

Tenho em mim um universo inteiro. E, há uns anos para cá, percebi que cada um tem em si um universo tal e qual ou maior que aquele que guardo nos limites do meu ser. Percebi isto meio que inconscientemente (não podendo negar que foi uma descoberta simples, sem valor, e que em muito pouco se afasta de uma mera constatação do óbvio). No entanto, exercendo o meu papel de adolescente que, pela natureza do conceito, escreve e debate sobre o que já foi escrito e debatido com a mesma paixão de quem o pensou pela primeira vez, dei à minha descoberta o nome de densidade psicológica, conceito já usado na narrativa para tipificar personagens, e pensei sobre ela. Como já muitos devem ter pensado. E entre eles, provavelmente, Pessoa.

Refletindo sobre cada um, como coisa individual, e assombrada pelo turbilhão de pensamentos e ideias, princípios, visões, memórias e tudo o que forma o individuo e me formam a mim, como coisa tão única e singular, não pude evitar ficar surpreendida, desculpando-me desde já pela simplicidade da temática, por tudo isso existir também algures, talvez no espírito, da pessoa sentada ao meu lado no comboio. E tão banal foi esta descoberta que de seguida se tornou complicado perceber o porquê de me ser mais fácil desculpar um erro ou falha minha, por estar consciente de todas as condicionantes que me levaram a cometer tal erro, do que o de outra pessoa qualquer de quem apenas posso ver a ação como resultado final e não tudo o que levou a essa dita ação. De certo não sei se é temperamento, mas arrisco dizer que, de vez em quando, é quase tão nosso como a matéria de que somos feitos isto de, ao olharmos para nós como protagonistas da nossa vida, esquecermos que o outro é protagonista da sua e nunca apenas figurante no nosso dia-a-dia.

Pessoa sabia disto melhor que eu. Primeiramente sabia-o em cada heterónimo a que não só deu voz, mas data, local de nascimento e vida, mostrando-se sensível à imensidão que existe nos outros mesmo não saindo de si. E também, mais tarde, quando, na voz de Bernardo Soares, confessa que vê num mero vestido “os amores, as secrecias, a alma, de todos quantos trabalharam para que esta mulher que está diante de mim no eléctrico use, em torno do seu pescoço mortal, a banalidade sinuosa de um retrós de seda verde-escura” , pois“todo o mundo se me desenrola aos olhos só porque tenho diante de mim, abaixo de um pescoço moreno, que de outro lado tem não sei que cara, um orlar irregular regular verde-escuro sobre um verde-claro de vestido.”. Concluindo que também no outro (como naquilo que veste) se pode encontrar uma “vida inteira”.

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