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Um Belo Dia No Bairro ★★★★☆ (Muito Bom)

  • Foto do escritor: Jaime Lucas Pires
    Jaime Lucas Pires
  • 23 de nov. de 2019
  • 6 min de leitura

Atualizado: 11 de abr. de 2020

“It’s a beautiful day in the neighborhood

A beautiful day for a neighbor Could you be mine? Would you be mine? It's a neighborly day in this beauty wood A neighborly day for a beauty Could you be mine? Would you be mine? I have always wanted to have a neighbor just like you I've always wanted to live in a neighborhood with you Let's make the most of this beautiful day Since we're together, might as well say Would you be my, could you be my Won't you be my neighbor?”

É com esta música alegre, infantil e carinhosa que Tom Hanks, interpretando Mr. Rogers, nos recebe em A Beautiful Day in The Neighborhood (Um Amigo Extraordinário na tradução portuguesa), o filme mais recente da realizadora Marielle Heller, que conta o relato verídico da amizade entre o jornalista frustrado Tom Junod, sob o pseudónimo de Lloyd Voguel (Matthew Rhys) e o célebre e aclamado apresentador de televisão Fred Rogers (Tom Hanks). É uma obra de arte que nos faz, desde o primeiro minuto, sentir-nos acolhidos pelo protagonista, que, de forma íntima, nos vai ensinando uma ou duas coisas sobre como viver uma vida boa, constituindo um autêntico exame de consciência sobre a forma como tratamos os outros, como tratamos o mundo e como nos tratamos a nós mesmos.

O filme biográfico em questão apresenta-nos a história de um jornalista relativamente bem sucedido na vida profissional, um repórter premiado pelo trabalho que exerce entrevistando grandes figuras e celebridades, tecendo quase sempre críticas agressivas e incisivas sobre os entrevistados após os encontros que tem com eles e que, por isso mesmo, ganha alguma má fama entre as eventuais personagens que alinhem em participar em reportagens da revista para a qual Lloyd Voguel trabalha, recusando-se a ser interrogados pelo protagonista do filme. Deste modo, a superior de Voguel, gerente da revista que o emprega, afirma que este vai ter de entrevistar Fred Rogers, mais conhecido por Mr. Rogers, o conhecido apresentador do programa infantil Mr. Rogers’ Neighborhood (1968-2001), por ter sido esta a única celebridade a aceitar ser entrevistada pelo jornalista na sequência de uma série de rúbricas da empresa que se focaria nos heróis da atualidade. Lloyd Voguel sente-se injustiçado e traído pela revista para a qual trabalha, por considerar que o apresentador do programa matinal para crianças, que conhece vagamente, não possui nem a densidade psicológica nem a importância social que o seu talento jornalístico merece, mas, sem opção, parte em busca de Fred Rogers, de forma a cumprir de modo obstinado a tarefa que lhe foi atribuída. À medida que o filme avança, Voguel compreende que a opinião que tinha relativamente a Mr. Rogers era completamente injustificada, e, ao entrevistar Mr. Rogers, procurando conhecê-lo de forma mais profunda, Lloyd realiza uma viagem de autoconhecimento, pelos seus medos, pelas suas alegrias, pela sua angústia, manifestada pela má relação que mantém com o pai, Jerry Voguel (Chris Cooper), incapaz de lhe perdoar os erros do passado.

O filme em análise é-nos apresentado como se fosse mais um episódio de Mr. Rogers’ Neighborhood, sendo-nos inicialmente revelado um pequeno bairro construído de plástico, uma maquete com moradias, prédios, carros, a típica locomotiva de um comboio em movimento e um grande semáforo com o sinal amarelo intermitente, relembrando-nos que ao entrarmos no bairro de Mr. Rogers temos de abrandar, acalmar as nossas mentes da azáfama do quotidiano, esquecendo-nos do que nos rodeia (um pouco como se entrássemos em uma igreja). Esta entrada é acompanhada de uma melodia jazzística, protagonizada por um piano suave, Won’t you be my neighbor, o tema inicial de todos os episódios da série, cantado por Mr. Rogers à medida que este entra em sua casa, abre o armário, veste o seu habitual casaco vermelho, descalça os seus sapatos de vela e se serve de uns ténis mais confortáveis, convidando o espectador a ser o seu vizinho, sem nunca parar de sorrir. Se o filme acabasse aqui eu já estava conquistado, mas felizmente vamos apenas no início. Ao longo de toda a composição cinematográfica, a realizadora utiliza momentos de episódios originais do programa, seja quando Mr. Rogers ensina aos espectadores como se monta uma tenda, seja quando o apresentador recorre a fantoches para tocar nos corações das crianças, transmitindo-lhes mensagens de confiança e de esperança, e dá uso às transições recorrentes da série, as imagens coloridas do bairro feliz de Mr. Rogers, para estimular no espectador esta sensação de que estamos mesmo a ver um episódio do programa. Por fim, ao chegarmos à cena conclusiva do filme, vemos que o apresentador se despede de nós da mesma forma como finaliza um dia em Mr. Rogers’ Neighborhood, a sorrir, claro, e lembrando-nos que estará novamente na televisão, perto de nós, para nos conhecer um pouco melhor. Contudo, o filme não termina enquanto a personagem principal não sai de cena (de filmagens da série), revê aquilo que foi gravado, e se senta ao piano, para tocar o tema inicial do seu programa, canalizando as angústias da vida e do passado para as notas mais graves (como habitualmente, conta-nos a meio do filme) mas não deixando nunca de exibir uma total graciosidade. Compreendemos então que Lloyd Voguel aprendeu com Rogers como resolver os seus conflitos interiores, como alcançar a paz de espírito através do perdão e da humildade, assim como muitas crianças ao longo de trinta anos, assim como nós, ao longo deste episódio. E é só mais uma jornada de trabalho de Fred Rogers, o herói do filme que se retira assim que termina o dia de programação, pronto para voltar no dia seguinte, pronto para converter mais crianças (e adultos) à verdade da simplicidade.

Um filme do qual não se pode falar sem referir as belíssimas performances dos atores, mais concretamente da dupla protagonista, por um lado o não tão conhecido Matthew Rhys, que se revela mais uma vez um ator comprometido com o seu papel, neste caso o jornalista Lloyd Voguel, uma personagem fria e crua por fora, mas completamente despedaçada por dentro, arrependida e progressivamente aberta à redenção que lhe é gradualmente revelada na personagem de Fred Rogers, o coprotagonista, representado por Tom Hanks, o “show-stealer” perfeito que acrescenta toda uma nova densidade e sinceridade a esta obra cinematográfica, cuja única nomeação para os óscares foi atribuída ao ator veterano, que nos deixa sem palavras pela proximidade e fidelidade à figura real de Fred McFeely Rogers. Apesar de não se revelar muito ambiciosa na realização e fotografia do filme, Marielle Heller e o cinematógrafo Jody Lee Lipes cumprem o seu trabalho de forma positiva, e a sobriedade nos movimentos de câmara e na produção dos cenários permite-nos usufruir das grandes performances dos atores em cena e, principalmente, de uma história que nos desarma e nos deixa de coração quente. Sendo assim, acredito que a simplicidade aparentemente desmesurada da realização da obra em análise, e qualquer imperfeição que possa ter surgido na construção do desenrolar da história são redimidas, por um lado pela apresentação exímia e transparente da evolução interior de duas personagens com densidades psicológicas incomparáveis, e, por outro lado, mais importante, pelo discurso comovente de Mr. Rogers, que desde que aparece no filme nos procura explicar (a nós e a Voguel) o valor da simplicidade e do serviço, a importância que cada um de nós tem para o mundo, apesar das nossas imperfeições, o facto de o sofrimento ser inevitável durante o percurso da nossa vida, e que a sua aceitação é um passo importante na procura da felicidade e da paz para connosco mesmos.

Ao falar-nos de temas fraturantes das nossas existências como a dor, a separação e a morte, Fred Rogers ensina-nos a gerir os nossos sentimentos, explica-nos que tudo o que por nós passa é humano e atinge a todos, sem exceção, ilustrando-o de forma clara e objetiva. Por toda a obra, o apresentador dirige-se a Voguel e ao espectador como se fossem crianças, mas não de uma forma adulta e superior, mas de igual para igual, de criança para criança, de Homem para Homem. Ao guiar Lloyd pela jornada de autoconhecimento mais profunda com que este já se deparou, também nós questionamos a forma como andamos a viver, não porque tudo à nossa volta está errado e porque nós, sendo humanos, não cessamos de pecar, mas porque podemos usar os nossos talentos para fazer do mundo algo melhor, e porque, de facto, está mesmo um lindo dia no bairro em que vivemos.

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