O Meu Retrato
- Jaime Lucas Pires
- 29 de abr. de 2020
- 2 min de leitura
Este vídeo é o segundo da rubrica do Círculo: CinePoesia. Um formato em que a poesia, a música e o cinema entram em comunhão.
"Acordo dentro do carro E olho para o retrato O meu próprio retrato A minha cara, o meu pescoço O meu peito cansado, os meus braços moles E as minhas mãos cobertas de sangue Penso e fico suspenso no suspense Do momento em que me levanto E com espanto me apercebo que Não tenho pés Não tenho pés Não tenho dedos nos pés Nem tenho plantas nos pés Nem calcanhares Não tenho pés Rastejo para fora do carro, Todo eu sou um vegetal vegetativo Pensativo, inativo, ofegante Cansado e cansativo E pouco criativo, como é que eu hei de sair daqui Deste mundo Deste momento, Deste segundo É que hoje quando acordei eu estava mesmo cansado Cansado disto Cansado daquilo Cansado de tudo um pouco bem cansado Deste mundo tão quadrado E tão pouco redondo Só um pouco cheio de tudo Cheio de nada Cheio de estar cheio de estar cheio Meio cheio meio vazio Meio completo todo incompleto Completamente sem fio nem pavio Estou por um fio Um fiozinho de nada Um fiozinho de prata prateado Silver cinzento dourado Estou cansado Cheiro a insecticida E os meus cabelos caem, Estou coberto de cabelos e de pelos Mas eles caem, Caem de mim e eu sabia Que não devia ter usado aquele perfume de insecticida quando fui ao hospital Mas a verdade é que bati com a cabeça e eu sei e tu também Que eu não me sentia nada bem E agora aqui estou Sem pés E com as mãos em sangue A olhar para o meu próprio retrato Sonolento, desolado, Solitário, descolado Sozinho E eu nunca fui muito dado à bebida Mas por favor meu retrato Dá-me mais um copo De morfina"
O vídeo foi feito a partir de uma compilação de cenas do filme Ida (2013), de Pawel Pawlikowski e a música é Gymnopedie No.1, de Erik Satie.
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