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Ser de Direita é isto?

  • António Cortez
  • 7 de fev. de 2021
  • 5 min de leitura


A democracia é um sistema perigoso e é um sistema frágil. Em democracia, sujeitamo-nos à vontade do povo, que é soberano. Uma vontade com que às vezes não concordamos. Uma vontade que muitas vezes é imprevisível e que, com demasiada facilidade, vai atrás de quem grita mais alto em vez de quem diz as coisas mais acertadas.


Estes, que gritam alto, mas cujas ideias têm entre pouco e nenhum conteúdo, criam problemas àqueles cujas ideias até podiam trazer algo de bom. Especialmente, quando os segundos não são capazes de lidar com os primeiros e quando deixamos a emoção impor-se à razão.


Em dezembro de 2020, nos Estados Unidos, 74 milhões de pessoas votaram em Donald Trump. Apesar de apoiado pelo histórico partido Republicano – de Lincoln, T. Roosevelt e Reagan – é indiscutível que a presidência de Trump ficou marcada pelas suas afirmações vagas, contradições constantes e negação persistente dos factos. Resumindo, um vazio completo de ideias ou, posto de uma forma mais simpática, uma série de ideias sem conteúdo. Mesmo assim, Trump conseguiu conquistar democraticamente quase metade dos votos. Conseguiu-o porque, como disse Marcelo Rebelo de Sousa no seu debate com Ana Gomes, durante os últimos quatro anos, nem os democratas, nem os republicanos moderados foram capazes de o derrotar categoricamente no debate das ideias.


Em Portugal, estes que se impõem a gritar alto ideias sem conteúdo não apareceram agora: tanto os comunistas, legalmente ativos desde o início da democracia, como os “neo-comunistas”, que têm vindo a surgir mais recentemente, asseguraram e continuam a assegurar que o populismo sobreviverá em Portugal. Da pressão para elevar o salário mínimo a valores impensáveis para qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de economia aos discursos em que se insiste na “luta contra o sistema” (mesmo depois de se atingir uns meros 10% nas Legislativas), se há algum facto indiscutível na política portuguesa, é que o populismo não surgiu à Direita. As propostas de utopias e as ideias sem conteúdo, que, aliás, nunca deram frutos sempre que aplicadas, já são tão velhas quanto a nossa democracia.


O problema com que nos deparamos nos dias de hoje em Portugal não é o surgimento do populismo. O problema com que nos deparamos nos dias de hoje em Portugal é que o único espaço político que ainda não tinha sido contagiado pelo populismo – a Direita – está agora a começar a experienciar os primeiros sintomas desse contágio. E não está a conseguir lidar com eles no tal “debate das ideias”.


Não banir, mas não banalizar Muito se tem falado do que fazer com eventuais governos apoiados pelo CHEGA! e muito se tem discutido a legalidade desse partido. Contra todas as críticas, Ventura conseguiu alcançar 11,9% dos votos nas últimas eleições presidenciais. É indiscutível que o deputado do CHEGA! levanta questões que uma parte considerável da população sente serem problemas e que fala de uma forma que cativa muita gente descontente ou, até agora, desinteressada. E há muita gente desinteressada: 60,7% dos eleitores não votou nas últimas eleições.


Nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1975, o PCP conseguiu 12,5% dos votos dos portugueses. Depois do 25 de novembro, também houve quem quisesse ilegalizar o partido comunista. Na altura, argumentou-se que não seria razoável ilegalizar um partido que representava um oitavo da população e que o debate devia ser feito dentro da Assembleia da República. Acreditou-se que, através do debate das ideias, haveria um processo de “seleção natural” que, eventualmente, levaria à extinção dos partidos cujas ideias não tinham conteúdo. Hoje, devemos manter o raciocínio, porque o debate das ideias é mesmo capaz de expor discursos vazios de conteúdo e eliminá-los.


No entanto, para que tal aconteça e o debate possa ser feito entre aqueles cujas ideias têm conteúdo, é imperativo que estes não se conformem com a presença daqueles que se impõem pelo volume da sua voz e que trabalhem para expor a falta de conteúdo dessas ideias. Que bom que teria sido para a democracia portuguesa, se os partidos moderados à Esquerda tivessem feito o mesmo exercício de introspeção que estão agora a fazer os partidos da Direita aquando do aparecimento do Partido Comunista, do Bloco de Esquerda e seus semelhantes.



“A reconfiguração da Direita”


O contágio da Direita portuguesa por esta “doença” que é o populismo e o crescimento de discursos vazios de conteúdo – que se focam nas críticas e se esquecem de propor formas concretas e realistas de fazer a mudança – obriga indiscutivelmente os partidos tradicionalmente mais à Direita a repensarem a sua forma de estar. Uns quase que se podem dar ao luxo de ignorar este fenómeno. Ideologicamente, estão mais longe da fação populista e poderão manter-se confortavelmente como a segunda força política do país. Não deviam ignorá-lo, mas a sua sobrevivência – para já – não depende disso, pelo que não seria espantoso se o fizessem.


Para outros, a sua sobrevivência imediata é posta em causa. E, curiosamente (ou não), é desses que a política mais precisa neste momento. No debate com Tiago Mayan a propósito das eleições presidenciais, Ventura definiu ser de Direita como não estar ao lado das minorias, dos imigrantes e dos “coitadinhos”. A política precisa de um partido que, usando um discurso com conteúdo, defina verdadeiramente o que é ser de Direita em Portugal. Um partido que, no debate das ideias, seja capaz de expor o vazio dos argumentos daqueles que só falam alto.


Como isto é tão importante, este não é o momento para tentar arranjar desculpas: nem o mau estado em que se herdou um partido, nem as eleições que se ganhou há pouco mais de um ano. É preciso mostrar serviço, fazer oposição e oferecer uma opção válida e cheia de ideias com conteúdo. Portugal precisa de um CDS mais forte do que nunca, capaz de reconquistar os desiludidos à Direita e convencer os desinteressados de que vale a pena fazerem-se ouvir.


Apesar da situação trágica em que herdou o partido, e passada mais de metade do mandato para que foi eleita, a direção do CDS liderada por Francisco Rodrigues dos Santos não tem dado, até agora, sinais de ser capaz de inverter a situação. Na Madeira o CDS entrou para o governo, porque, graças ao crescimento do PS, o PSD passou a precisar deles. Nos Açores, também entrou para o governo, mas perdeu votantes. Por agora, a direção mantém-se, mas tem de se transformar. Se mudar agora, o CDS-PP ainda poderá ter oportunidade de se reinventar a tempo, mas se desperdiçar demasiado tempo e energia em guerras internas, poderá ser tarde demais. A democracia em Portugal precisa de um CDS forte para fazer o que o PS não fez à esquerda, que é desmascarar as ideias sem conteúdo, convencer os moderados e atrair à moderação os mais radicalizados.

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