Tentativa de revolução no CDS? Pelas razões erradas, de forma errada e na altura errada.
- Vasco Teixeira Duarte
- 5 de fev. de 2021
- 7 min de leitura

Numa altura em que Portugal atravessa um período negro, fruto de uma nefasta e incompetente gestão da Pandemia em toda a linha, por parte de um governo que se encontra totalmente desorientado e perdido, vemos um partido, da oposição, numa súbita guerra sem sentido criada através de uma tentativa de revolução feita por razões erradas, de forma errada e na altura errada.
É certo e sabido que o CDS não atravessa um dos seus melhores momentos, antes pelo contrário, atravessa um dos seus momentos mais duros – e por isso decisivo. Filipe Lobo d’Ávila, no seu comunicado, aquando da sua demissão, tem muita razão: de facto, e infelizmente, o CDS já não é considerado, a mensagem não passa e há uma certa sensação de que as pessoas já não ouvem o CDS. Efetivamente, os indícios ainda são mais trágicos se olharmos para as sondagens: o CDS, numa análise fria, parece destinado a um fim inevitável.
Mas esta revolução, liderada por Adolfo Mesquita Nunes, é feita por razões erradas, de forma errada e na altura errada. É preciso lembrar aos mais críticos o estado que o atual presidente do CDS pegou no partido – após um completo desaire nas Europeias e Legislativas – e que, no Congresso, democraticamente, Francisco Rodrigues dos Santos ganhou. E ganhou bem. Foi em quem quase 52% dos militantes votaram. Apesar de uma eleição renhida, a escolha era evidente: jovem, líder da Juventude Popular, representação in persona dos princípios e valores democratas-cristãos, do Humanismo Personalista em toda a sua linha, não haveria dúvidas que seria o indicado para reerguer o CDS, e tornar-se o líder dos que inequivocamente votam à direita. No entanto, e apesar da expectativa no rescaldo das eleições ser animadora, muito graças ao perfil descrito do novo presidente, passado um ano do início de presidência, os críticos – que nunca deixaram de o ser, desde o início – decidem tomar a decisão de tentar, para bem do CDS, mudar o rumo, aspirando chegar à presidência.
Mas fazem-no, em primeiro lugar, por razões erradas. A razão de o CDS estar onde está não vem da presidência de Francisco Rodrigues dos Santos. Vem de antes, por vários acontecimentos criados, não por Francisco Rodrigues dos Santos, mas por outros, que levaram aos desaires nas eleições europeias e legislativas. Em um ano de presidência, por si já caótico pela pandemia que atravessamos, era difícil fazer melhor. Vamos por partes.
A vida do novo presidente do CDS tornou-se ainda mais difícil com o aparecimento de novos partidos – e que estão, gostemos ou não, claramente na moda. É verdade, o aparecimento do Chega não ajudou, e o da IL também não contribuiu. O CDS não soube lidar com a chegada destes dois primos mais novos que vieram desestabilizar a casa. Mas o aparecimento destes primos, muito diferentes dos mais velhos que já cá estavam, e também diferente entre eles – um claramente mais desestabilizador que o outro – não prejudicou só o CDS. Pelo contrário, prejudicou e, digamos, incomodou bastante os vizinhos do outro lado da rua – que queriam, por todos os meios, acabar com este vizinho que punha tudo em polvorosa. O CDS não soube lidar com o Chega. Viu-o como um inimigo, que prejudicava a sua existência, e que lhe roubava o seu espaço, que considerava seu por sempre o ter ocupado. O primo mais velho, preocupou-se em distanciar-se deste novo primo que punha em causa o seu papel e até mesmo a sua existência. Mas era difícil: este primo mais novo era mais enérgico, mais bruto, mais direto – em suma, estava na moda –, e crescia em velocidade. Atingia muitos que estavam insatisfeitos com os partidos “de sempre”, pelo que deram oportunidade aos que, como eles, barafustavam e desesperavam com um sistema viciado e inoperante.
O CDS, tal como dizia Adolfo Mesquita Nunes, “não marca a agenda, (…) não se antecipa” muito por causa deste primo mais novo que lhe roubou o espaço, que marca agenda e que se antecipa. O CDS viu-o como um inimigo, quando na verdade, tinham ambos o mesmo inimigo. Mas mesmo lidar com o Chega, qualquer que tivesse sido o rumo que Francisco Rodrigues dos Santos tivesse tomado, seria uma tarefa árdua e complicada, pois poderia correr mal das duas formas. Se tivesse optado por, de alguma maneira, aliar-se com o Chega, haveria, certamente, muitos militantes e membros do partido que desaprovariam e questionariam. A situação é delicada, por ter sido uma completa novidade, pelo que me questiono como lidaria Adolfo Mesquita Nunes. E Assunção Cristas. E Paulo Portas e Manuel Monteiro, e até mesmo Adelino Amaro da Costa. Tiveram outros problemas com que lidar, uns até mais delicados que este, mas nenhum desta natureza. Durante toda a sua existência, até há dois anos, o CDS era o partido das pessoas que votavam inequivocamente à direita. Não havia outro. Era o partido quase denominado de “fascista”, moderado, imagem do Humanismo Personalista e tendo uma posição clara sobre as coisas – sobretudo as mais fraturantes, e, por isso, mais importantes. Infelizmente, de há uns anos para cá, essa fiabilidade que caracterizava o CDS, foi-se perdendo. Dentro do partido, havia pessoas que defendiam matérias que o CDS, como partido, desaprovava. O CDS estava a ficar frágil, e o aparecimento do Chega ainda o fragilizou mais. O Chega apresentou-se com uma alternativa à direita do CDS, algo que na nossa democracia nenhum partido o tinha conseguido com sucesso. Esta perda de protagonismo e aparente insucesso crescente do CDS deveu-se muito a este fenómeno do Chega.
Continuando esta análise da presidência de FRS, há dois palcos que o CDS teve um papel a desempenhar: as eleições nos Açores e as eleições presidenciais – ambas pedras de arremesso por parte dos críticos do atual presidente.
As eleições dos Açores, e atendendo à situação em que se encontra o CDS, não foram um completo desastre, como muitos apontam. Olhando para as sondagens prévias às eleições, o CDS, se não morresse ali, estaria prestes a lançar o seu último suspiro. É certo que o CDS perdeu eleitores, mas também é certo que se manteve como terceira força política e foi pedra essencial para a coligação no governo, contribuindo para destronar o PS do governo. Nas eleições presidenciais, para meu espanto, a atuação do CDS foi muitíssimo criticada por pessoas de dentro do partido. Para meu espanto, pois parece-me evidente que o CDS, como partido, não tinha outra opção senão apoiar Marcelo Rebelo de Sousa. Lançar um candidato do partido, a meu ver, seria arriscadíssimo e, correndo mal, seria o fim inevitável do partido centrista. Além disso, Marcelo Rebelo de Sousa, para todos os efeitos, não só era uma aposta ganha, como, na teoria, espelha o espírito moderado, centrista e democrata-cristão do CDS. O CDS apresentando um candidato que ficasse atrás de André Ventura, ou mesmo, no pior dos casos, na luta com a IL, daria a imagem de um partido à beira do colapso. Seria imprudente como não faria sentido nesta altura do campeonato, onde o CDS tenta recuperar.
Ao debruçarmo-nos a posteriori sobre acontecimentos que a presidência de FRS teve de atravessar, não deixa de ser fácil tentar uma revolução, pois, quer queiramos quer não, as decisões não deixam de ser criticáveis, ou, pelos menos, opináveis. No entanto, como vimos, seria injusto. Seria difícil para qualquer presidente liderar o partido nesta altura da história. Seria difícil para qualquer presidente receber um partido como Francisco Rodrigues dos Santos recebeu o CDS, degradado por falhas que não lhe pertenceram.
Esta tentativa de revolução acontece também de forma e altura errada. O CDS, como partido, ao dar-se conta das dificuldades que penosamente atravessa e que ameaçam pôr em causa a sua existência, tem de facto de trabalhar muito, de se inovar. Mas partindo de dentro, na forma de uma introspeção conjunta, um debate em que se possa concluir o que se anda a falhar, o que não anda a passar para as pessoas, tendo – é preciso frisar – sempre como base as ideias, princípios e valores fundamentais e intrínsecos do partido; e por objetivo o ressurgimento do partido, para se tornar, de novo, numa opção confiável e segura dos seus militantes e dos, tal como eu – não sendo militante -, seus eleitores. É o que o CDS tem de fazer, uma introspeção, um trabalho de inovação, mas não uma revolução como temo que possa acontecer com a chegada de Adolfo Mesquita Nunes. É impreterível que tal não aconteça. Não se pode dar o caso de haver uma revolução nos princípios em que o CDS se baseia e na identidade matriz do partido. Aí sim, seria o fim.
Esta inovação tem de acontecer dentro de portas e tem de acontecer quanto antes, mas confiando no seu líder, eleito pela maioria dos militantes, para liderar esta inovação, esta nova forma de fazer política. O momento que atravessamos, não é o momento de o CDS apresentar roturas, parecer pouco (ou mesmo nada) coeso, partido onde se desenrolam disputas internas e onde militantes se encontram divididos. Esta não é a altura da revolução de Adolfo Mesquita Nunes. Mais à frente, quando for o momento, já poderão insurgir-se os que não concordarem com a atual presidência, mas agora o momento pede, urge, unir esforços. Não é o momento de abandonar o barco, de resignar, de mandar a toalha ao chão. Numa altura em que o Governo não se mostra competente e capaz, prevendo-se uma crise sem precedentes, não pode ser a altura de o CDS criar disputas internas. É altura de mostrar serviço. De renascer, mantendo o que o caracteriza, mas mudando a forma de fazer política. De atualizar, sem revolucionar. É preciso um CDS que marque a agenda, que se antecipe. É preciso um CDS que não perca forças lutando com os primos mais novos, mas que usa essas forças para lutar contra o inimigo comum. O CDS precisa disto tudo. E, acima de tudo, Portugal precisa do CDS.
Vasco Teixeira Duarte
Que espetáculo de artigo!! Está de parabéns