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10 de Maio de 1940 e um herói chamado Winston Churchill

  • Foto do escritor: Francisco Lopes Matias
    Francisco Lopes Matias
  • 10 de mai. de 2020
  • 8 min de leitura

Atualizado: 7 de jun. de 2020


Há exactamente 80 anos, dava-se, em Westminster, aquele que foi, provavelmente, o acontecimento mais importante do século XX: Winston Churchill era nomeado Primeiro-Ministro do Reino Unido.


Estes últimos dias foram especiais: a 7 e 8 de Maio, celebrámos os 75 anos da rendição das forças alemãs, que marcou o fim da II Guerra Mundial na Europa; ontem, 9 de Maio, relembrámos os 70 anos da Declaração Schuman, em que o ex-Primeiro-Ministro francês propôs uma entidade europeia supra-nacional, que marca o primeiro passo do caminho que levou à actual União Europeia; e hoje, 10 de Maio, comemoramos o 80.º aniversário do dia em que Neville Chamberlain escolheu Churchill para lhe suceder no cargo de chefe do governo britânico.


Apesar de Churchill ser, provavelmente, a minha maior referência política, não foi uma decisão óbvia escrever este texto, visto haver centenas de livros e milhares de artigos, ensaios, filmes e documentários sobre esta grande figura da História moderna. Mesmo assim, e porque nunca é demais falar de Churchill, tomei a liberdade de escrever esta pequena e sucinta homenagem nesta data tão importante.


Ora, para começar, temos de prestar alguma atenção ao contexto em que Churchill foi nomeado. Em 1940, segundo ano da II Guerra Mundial, o Primeiro-Ministro Neville Chamberlain, gravemente doente com um cancro, sentiu faltarem-lhe as capacidades necessárias para lidar politicamente com um monstro militar da dimensão do Exército nazi. Depois de se vangloriar do Acordo de Munique, em 1938, em que acordara com a Alemanha um limite para a expansão desta, percebeu que, como previsto por Churchill, os nazis não eram leais às suas promessas. Assim, em Maio de 1940, a Alemanha, impulsionada pela sua estratégia de guerra agressiva e extremamente eficaz – a Blitzkrieg –, já tinha anexado a Áustria, a Checoslováquia, a Polónia, a Noruega, a Dinamarca (em apenas quatro horas!), a Holanda e a Bélgica, estando também muito próxima de derrotar o aliado francês, algo que se veio a concretizar no mês seguinte. Sendo assim, as tropas britânicas encontravam-se praticamente isoladas no combate à Alemanha nazi, que se expandira da Polónia até França, sendo Portugal e Espanha estados neutrais e, portanto, não envolvidos na guerra. Os Estados Unidos mantinham-se fora da disputa e a União Soviética tinha assinado, no ano anterior, um revoltante pacto de não agressão mútua com a Alemanha nazi. A Grã-Bretanha era, portanto, o que restava aos nazis para dominarem a Europa.


Surgiam então dois fortes candidatos a substituir Chamberlain no n.º10 de Downing Street: o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Lord Halifax e o Primeiro Lorde do Almirantado e polémico Winston Churchill. E, se o primeiro defendia um acordo de paz e apaziguamento com a Alemanha, “que salvaguardasse a paz e a independência britânica”; o segundo declarava-se um ferrenho defensor da Pátria e dos valores a ela associados. Tinha perfeita consciência de que a rendição significaria, na prática, aceitar uma tirania monstruosa como o nazismo alemão, submetendo-se a Grã-Bretanha ao seu poder e até a uma possível invasão futura e definitiva. A rendição podia significar, a curto prazo, a preservação de milhares de vidas de outra forma sacrificadas, mas obrigaria certamente a um enorme desarmamento, que iria enfraquecer as Forças Armadas britânicas e tornar a ilha muito mais vulnerável a uma futura invasão alemã. Por isso, Churchill afirmava orgulhosa e corajosamente: “Prefiro morrer afogado no meu próprio sangue a render-me”.


Apesar do patriotismo e enorme espírito de sacrifício de Churchill, a maioria dos ministros e o próprio Chamberlain, ainda afectados pelos “fantasmas” da I Guerra Mundial e plenamente conscientes da enorme inferioridade bélica face à Wehrmacht e à Lufftwaffe, eram mais favoráveis ao modelo de apaziguamento proposto por Halifax. Como tal, a 9 de Maio de 1940, o Primeiro-Ministro Neville Chamberlain propôs a Halifax que este ocupasse o cargo de chefe de governo. No entanto, o Secretário de Estado, alegando falta de legitimidade democrática por ser um membro apenas da Câmara dos Lordes (e, por isso, não eleito), recusou. Deste modo, no dia seguinte, Chamberlain, com o aval do Rei Jorge VI, nomeou Winston Spencer-Churchil chefe de governo britânico, sendo assim o 61.º a desempenhar este cargo.


O resto é o que todos sabemos. Esperavam a Inglaterra “muitos, muitos longos meses de combate e sofrimento”, cujas consequências imediatas seriam “nada (…) senão sangue, esforço, lágrimas e suor”, como prometera o novo Primeiro-Ministro no seu discurso inaugural. Derrotados em Dunquerque, mais de 300 mil soldados britânicos tiveram de retirar, pelo Canal da Mancha, numa operação heróica. Toda a Europa aliada fora conquistada, o que deixava a Grã-Bretanha (e o Império) isolada no combate àquele que era, na época, o exército tecnologicamente mais avançado do mundo. Os nazis estavam a 86 km do Reino Unido e o Canal da Mancha era tudo o que estava entre Hitler e o domínio total da Europa Ocidental e Central. Neste cenário altamente desmotivador, Churchill decide combater, continuar a lutar pela independência da ilha e do Império. Perante a proposta de rendição, o Primeiro-Ministro britânico escolheu o combate e a resistência armada. A terra de Sua Majestade preparou-se assim para a maior batalha da sua História. A Lufftwaffe enviou mais de 3000 aviões e bombardeiros para Inglaterra, número que representava, aproximadamente, o triplo dos recursos militares da Royal Air Force, à data.


O Verão de 1940 significou, para os ingleses, uma autêntica luta pela sobrevivência. Era uma questão de vida e de morte. Ali, disputava-se tudo o que era mais sagrado: a liberdade, a cultura ocidental, os valores humanos e universais e toda uma forma de estar e de ser muito própria e característica e pela qual vale a pena dar a vida. A maior batalha civilizacional da nossa História travou-se entre Julho e Outubro de 1940, sob o nebulado céu inglês. Se a Lufftwaffe vencesse, a civilização europeia cairia. Mas a Lufftwaffe não venceu e a civilização manteve-se de pé. Embora com custos materiais e humanos muito significativos (quase 15 000 civis mortos e mais de 20 000 feridos e mais de 1 700 aviões abatidos), os britânicos forçaram a retirada nazi, em Outubro, e, apesar da inferioridade numérica e militar e de três meses de intensos combates no ar, a valentia e coragem dos milhares de pilotos da RAF e o esforço incansável do povo britânico, motivado pelos discursos mobilizadores de Churchill – que consciencializou os cidadãos para o papel fundamental daquela batalha – foram decisivos para uma vitória total e contra todas as expectativas.


A Batalha de Inglaterra foi a primeira (de muitas!) vitória das forças aliadas na Segunda Guerra Mundial. Desde então, com muitos avanços e recuos e, essencialmente, muito sangue derramado, os alemães perceberam que não era eram imparáveis. Churchill conseguiu, nos dois anos seguintes e devido a um grande esforço negocial, algum apoio militar americano (navios e armas), mas até 1941, o Reino Unido lutou sozinho e, se a vitória foi celebrada, cantada e dançada por todo o mundo em 1945, devemo-lo a Churchill e ao que conseguiu fazer, tanto pela incomparável capacidade de mobilização e apelo à resistência como pela excelente habilidade táctica e militar.


Façamos agora, para terminar, um pequeno exercício de especulação histórica, de “What if?”. E se Lord Halifax tivesse sido nomeado para Primeiro-Ministro a 10 de Maio de 1940? E se Churchill nunca tivesse ocupado o cargo? E se, há precisamente 80 anos, tivesse sido o outro candidato a tomar conta do governo britânico?


Bem, em primeiro lugar, perderíamos algumas das mais brilhantes peças de retórica de sempre. Mas, para além disso, o mundo seria radicalmente diferente. Alguns historiadores conceituados arriscaram a possibilidade de prever o que teria sido o mundo sem a interferência de Churchill e de uma coisa podemos ter a certeza: seria um lugar muito pior do que é hoje.


Se os britânicos tivessem assinado um acordo de “paz” com os alemães, os EUA não entrariam certamente na guerra e tomariam, como até então, uma posição isolacionista. Sem uma frente Ocidental, a Alemanha podia ter concentrado toda a sua força militar (apresentava na época o mais forte exército do mundo) contra a Rússia, como fora a sua intenção desde sempre. Sem o inimigo britânico a “pisar-lhe os calcanhares”, com elevado grau de certeza a Alemanha conquistaria a União Soviética. Assim, todo o território da China ao Atlântico seria um tabuleiro em que Hitler jogaria sozinho o seu sinistro xadrez, sem adversário e com a vitória garantida. Os países ibéricos, depois de terminada a guerra, seriam certamente os próximos a serem conquistados.


Ontem celebrámos o dia da Europa, referindo-nos à Declaração Schuman, que abriu a porta para a actual União Europeia. Mas pensar que podíamos estar a comemorar algo parecido, embora com capital não em Bruxelas, mas em Berlim e não com uma bandeira azul com as estrelas amarelas, mas encarnada e branca com uma suástica preta é algo que, pelo menos, assusta. Mas o que é verdade é que não só era possível, como altamente provável, que um cenário destes viesse a existir caso a Grã-Bretanha tivesse abandonado a guerra.


Do Cabo da Roca até à fronteira sino-russa, milhões de judeus, ciganos, homossexuais, doentes mentais, deficientes físicos, opositores políticos, católicos, muçulmanos e quaisquer que questionassem a autoridade de Hitler seriam exterminados em campos de concentração. Talvez no Ribatejo ou em Trás-os-Montes tivéssemos um. Apesar de especulação pura, a probabilidade de isto vir a acontecer seria elevadíssima.


Muitos argumentam, e com razão, que era possível e até provável que a Alemanha não conquistasse a Rússia. Todavia, nesse caso, a realidade não seria assim tão diferente. A Europa estaria dividida em duas formas igualmente duras e condenáveis de totalitarismo, com o Oriente sujeito aos terrores do KGB e o Ocidente aos massacres da Gestapo. Os campos de concentração, a ditadura, a tortura e as formas mais horríveis de opressão seriam comuns a toda a Europa e, provavelmente, a todos os territórios ultramarinos ou coloniais na posse dos Estados europeus. “A cortina de ferro que desceu sobre o Ocidente, delimitada a Norte pelo Mar Báltico e a Sul pelo Mar Adriático” (expressão de Churchill), e que durou do final da II Guerra Mundial até ao início da década de 1990, teria dividido (sim) a Europa em duas, Ocidental e Oriental, não numa dicotomia democracia/totalitarismo, mas numa assustadora Europa Nazi, de Portugal à Polónia, e noutra comunista, da Polónia até à fronteira chinesa. Mesmo o próprio Reino Unido, apesar do acordo que teria firmado, não estaria a salvo de uma possível invasão alemã. Sem uma frente Oriental (fosse por ter conquistado a URSS ou por com ela ter dividido a Europa), a Alemanha voltar-se-ia de novo para a ilha de Shakespeare, naquela que era conhecida como a “Operação Leão-Marinho”.


Ou seja, aquilo que parecia uma decisão sensata seria na verdade uma de duas coisas: a submissão quase clientelar ou federal a uma espécie da União Europeia nazi ou, por outro lado, a conquista efectiva da Grã-Bretanha pela Wehrmacht. Com uma certeza quase absoluta, o 10 de Maio de 1940 foi o que permitiu que tal nunca acontecesse. Se não fosse este dia (e este homem), a democracia, os direitos humanos e a liberdade não seriam jamais a norma na Europa ou mesmo no mundo. A maioria do globo seria dominado por ditaduras totalitárias do eixo ou do comunismo soviético. Temos apenas uma certeza: o mundo seria certamente muito diferente e decerto mais horrível.


Assim, se há alguém a quem temos de agradecer a coragem de, com muito menos meios e recursos humanos do que o inimigo, escolher enfrentar o maior exército do mundo, acabando por derrota-lo, é a Churchill que temos de o fazer. Se há alguém do qual depende, primeiramente, a liberdade, os direitos humanos e a democracia na Europa e no mundo ocidental, esse “alguém” é Churchill. E se, naquele Verão e Outono de 1940, os heróicos pilotos da Royal Air Force não tivessem, inspirados e inflamados pelos discursos do Chefe de Governo, lutado “nos mares e nos oceanos, nas praias, nos postos de desembarque, nos campos, nas ruas e nas colinas”, a História teria tomado um destino sinistro. Em suma, se, a 10 de Maio de 1940, Winston Churchill não tivesse sido nomeado Primeiro-Ministro britânico, o mundo de hoje seria radicalmente diferente.


O autor não escreve em conformidade com as regras do novo Acordo Ortográfico.

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