Crew Dragon Demo-2: mais um entusiasmante salto para a Humanidade
- Francisco Lopes Matias
- 16 de jun. de 2020
- 5 min de leitura

Entre a Covid-19, o início do desconfinamento, a violência racial nos EUA, a reabertura das Missas, a abertura da época balnear, o regresso do futebol (ufa!), a nomeação de Costa e Silva, o vandalismo, a destruição de estátuas e a saída de Mário Centeno, houve um acontecimento de enorme importância e com prováveis repercussões muito fortes no futuro que passou relativamente despercebido: o lançamento da missão espacial Crew Dragon Demo-2, um projecto conjunto da SpaceX e da NASA.
Embora profundamente ignorante no que respeita ao funcionamento técnico e científico de uma nave espacial, desde que me lembro que manifesto um grande interesse por este tipo de questões, de tal modo que não foram poucas as horas perdidas, na minha infância pouquíssimo interessante, a ver uma e outra vez repetições e gravações do lançamento e da épica alunagem da Apollo 11, da enorme expectativa à volta da Sputnik-1 (o primeiro satélite artificial a percorrer a órbita terrestre), do voo espantoso e pioneiro de Gagarin em 1961, do milagre da Apollo 13, do desastre incomparável e fatal do Challanger em 1986 ou da construção da Estação Espacial Internacional, no imediato pós-Guerra Fria.
O lançamento da Demo-2 (DM-2) é, assim, na sequência de tantos outros, mais um feito histórico, tendo em conta que foi o primeiro voo espacial realizado por uma empresa totalmente privada (a SpaceX de Elon Musk, igualmente proprietário da Tesla). A DM-2 reveste-se ainda de um carácter mais excepcional, na medida em que representa um regresso aos voos espaciais norte-americanos, o que não acontecia desde o já longínquo primeiro mandato do Presidente Obama. De facto, a DM-2 é a primeira missão tripulada a ser lançada em território americano desde a STS-135-Atlantis (2011), sendo ainda a primeira missão iniciada nos Estados Unidos com dois astronautas desde a STS-4 em 1982 (primeiro mandado de Ronald Reagan). Curiosamente, Douglas Hurley, escolhido para comandante da Demo-2, foi também um dos tripulantes da Atlantis (missão STS-135), que marcou o fim da anterior era espacial da NASA, em 2011.
Desde a Atlantis e do longínquo ano de 2011, a Rússia assumiu a hegemonia no que respeita às missões espaciais, através das naves Soyuz, desde então as únicas a garantir o intercâmbio de astronautas entre a Terra e a Estação Espacial Internacional (EEI). Por cada astronauta dos EUA colocado no espaço a bordo de uma Soyuz, o governo norte-americano teve de pagar ao seu congénere russo cerca de 90 milhões de dólares. O lançamento da Crew Dragon Demo-2 representa, assim, o regresso dos EUA à cena espacial internacional, da qual são, desde a Apollo 11, o actor principal, mas cuja permanência no papel de protagonismo tinha ficado em risco na última década.
As condições meteorológicas ainda deram um abalo ao histórico lançamento, que se deveria ter realizado no último 27 de Maio, mas que o mau tempo adiou por três dias. Contudo, a 30 de Maio de 2020, no famoso Centro Espacial John F. Kennedy (Cabo Canaveral) e perante a assistência tímida do Presidente Trump e do Vice-Presidente Mike Pence, a DM-2 deu finalmente início à sua missão, levantando voo rumo ao Universo às 15h22 locais (20h22 de Lisboa).
A DM-2 é o fruto do casamento entre o profissionalismo e competência da NASA (os dois tripulantes, Douglas Hurley e Robert Behnken, foram formados pela agência espacial norte-americana) e a audácia e criatividade da SpaceX (o Falcon 9 - nave espacial utilizada na missão Crew Dragon Demo-2 - foi integralmente projectado e construído pela empresa de Musk). De facto, esta união parece então ser, até à data, uma parceria de sucesso. E são estas parcerias público-privadas que se espera que venham, finalmente, a permitir aos Estados Unidos a independência face à Rússia, no ramo dos projectos espaciais.
Mas as novidades não ficam por aqui e a SpaceX surpreende constantemente com os progressos tecnológicos que protagoniza. O Falcon 9, cujo nome se inspira na célebre Millennium Falcon da saga Star Wars, é o primeiro e único foguetão totalmente reutilizável da História da exploração espacial. Como vimos na já distante noite de 30 de Maio, logo após o lançamento da missão, a nave separou-se em duas partes distintas; e se uma primeira seguiu (com sucesso) rumo à EEI, uma segunda aterrou, automática e integralmente, num porta-aviões designado para o efeito. A aterragem desta segunda peça foi como o rebobinar do lançamento inicial do Falcon 9, visto que a precisão e o rigor foram de tal ordem que pareceram replicar o lançamento da missão, embora dessa vez “de trás para a frente”. Pela primeira vez, uma parte significativa do foguetão não foi atirada ao mar, mas conservada na íntegra.
O Falcon 9 garante também uma velocidade supersónica de mais de 1.234,8 km/h e foi construído exclusiva e inteiramente com material americano (desde o mais ínfimo detalhe ou parafuso até aos foguetes propulsores e ao tanque de combustível externo). Os fatos dos astronautas foram, da mesma forma, desenvolvidos pela SpaceX e caracterizam-se pelo uso de capacetes impressos em 3D e luvas sensíveis ao toque. A pressurizacão dos tripulantes, tal como a regulação da temperatura corporal dos mesmos, é igualmente garantida de forma quase perfeita pelos novos uniformes.
O lançamento da Demo-2 foi também um marco de considerável importância, tendo em conta que assinalou o início do Comercial Crew Program, no qual a NASA deposita as esperanças de poder retomar a sua capacidade operacional plena e economizar um bom dinheiro com os lançamentos realizados, através da gradual independência face à Rússia, o que, para além dos factores económicos muito relevantes, pode vir a ter também consequências políticas importantes.
É, então, ocasião para repetir, como Neil Armstrong a 20 de Julho de 1969 e em pleno solo lunar, “that’s one small step for a man, one giant leap for mankind”. Sim, na tarde de 30 de Maio de 2020, o Homem deu mais um “pequeno passo”, que representa, na verdade, uma revolução absoluta no paradigma espacial, porque, parafraseando o Chef Gusteau (icónica personagem do êxito da Pixar Ratatouille), é a prova derradeira de que “qualquer um pode voar” para além da Atmosfera terrestre.
A Crew Dragon Demo-2 marca, assim, o início de uma nova era de transporte e exploração espacial, em que a grande novidade que a SpaceX traz é que conhecer o Universo deixou de ser um privilégio exclusivo das grandes agências espaciais e governamentais, passando agora a ser acessível a qualquer um que, à semelhança de Elon Musk, esteja na disposição de investir o seu dinheiro no desenvolvimento de meios que tornem isso possível. Veremos quanto mais tempo leva até que o dono da Tesla e da SpaceX consiga alcançar o seu maior desejo: o turismo espacial feito por parte de civis e operado inteiramente por privados.
O autor não escreve em conformidade com as regras do novo Acordo Ortográfico
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