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Dúvida e procura ao som de Paul Simon e Art Garfunkel

  • Foto do escritor: Francisco Pinto
    Francisco Pinto
  • 11 de abr. de 2020
  • 3 min de leitura

Quem me conhece sabe-me incansável admirador de Paul Simon, um nome incontornável em matéria de música moderna, com uma obra comparável a Leonard Cohen, Bob Dylan (Nobel da literatura) e poucos mais.


Temas marcantes como são The Sound Of Silence e Bridge Over Troubled Water, produzidos para a dupla Folk/Rock Simon and Garfunkel fazem parte do reportório musical de Simon, no entanto, o tema America, de 1968, é para mim particularmente forte, não somente pela riqueza literária, mas também pela forma como constitui símbolo da totalidade da obra do músico nova-iorquino, que tem estado em constante processo de crescimento e redescobrimento até aos dias de hoje.


America retrata um sujeito que viaja pelo país com a amante, em evidente procura de algo aparentemente claro (“And we walked off to look for America”). À medida que a música vai progredindo, num tom melancólico marcado por acordes ascendentemente intensos, sugestivos da ideia de caminho, vamos percebendo não se tratar do mero romantismo de uma viagem a dois, mas da ótica de um indivíduo que, embora “laughing on the bus, playing games with faces”, ao som da melodia de um saxofone (na versão de álbum) , se encontra em estado de terrível alienação face a si próprio e perante a incapacidade de se relacionar genuinamente com os outros, partindo assim numa viagem espiritual “looking for America”, isto é, à procura de um ideal que atribua à sua identidade algo de objetivo e absoluto.


O ponto crucial da canção é a transição do terceiro para o quarto verso, em que um subtil acorde de sétima interrompe a estrutura melódica cíclica que ouvíramos até então, introduzindo a uma melodia já intrinsecamente melancólica o elemento da inquietação. É neste momento que anoitece (“And the moon rose over na open field”) e os dois amantes, cansados, vão trocando palavras banais já incapazes de camuflar o estado de espírito do sujeito. Seguem-se os versos mais importantes de toda a obra: “” Kathy, I’m lost”, I said, though I knew she was sleeping/ I´m empty and aching and I don’t know why”, nos quais o sujeito se confessa perdido e vazio a Kathy, concretizando-o somente ao saber que esta adormecera. De facto, estando inseguro acerca da própria identidade individual, o protagonista manifesta-se cético quanto à genuinidade de uma relação com outro, por mais convencionalmente íntima que possa ser ou parecer, razão pela qual hesita em partilhar a agonia com Kathy que, em última instância, desconhece. É partir deste momento que se torna clara a dicotomia, em certa medida paradoxal, entre a gritante vontade por parte do sujeito de comunicar o seu conflito existencial e a impossibilidade de o fazer por conta do seu ceticismo face às relações, o que adquire uma dimensão musical através da agora percetível alternância entre os versos soturnos e inquietos, marcados por dedilhados suaves de guitarra, pelo órgão e por um quase inaudível violino, e os refrões intensos caracterizados pela ideia de incessante procura, muito presente nas fortes investidas de bateria, acordes e até num bonito solo de guitarra, na versão do memorável concerto do Central Park, de 1981.


O uso do título America enquanto símbolo poético da experiência do protagonista é especialmente pertinente, se tivermos em mente que a composição do tema data de 1968, altura da guerra do Vietname, dos movimentos pelos direitos civis, do Maio de 68 e sobretudo de crise do “American Dream”, desacreditado e não mais do que isso mesmo. Uma das causas do meu particular interesse pelo tema será provavelmente a genialidade com que Simon constrói um paralelismo entre a voz coletiva de uma época, cética em relação à nação e à realidade, e o próprio sentimento individual, ambos marcados por um atroz vazio, quase incomunicável.


Ainda assim, não posso deixar de dar o devido destaque ao concerto do Central Park, que referi há pouco, pela imagem particularmente forte nele contida, consequência direta de se ter dado na cidade de Nova Iorque, relativamente perto da New Jersey Turnpike. De facto, é precisamente ao observar as infindáveis filas de carros da movimentada autoestrada que o protagonista se apercebe de que, tal como ele, todos estão incessantemente à procura de America, que termina assim com o ecoar do verso que resume o que acabei de expor: “They’ve all come to look for America”. Confesso que o retrato de meio milhão de nova-iorquinos a entoar tão poderosos versos numa tarde de outono de 1981, que marcou o regresso aos palcos de Simon and Garfunkel, constitui uma imagem poética que tem para mim um significado especial.


Uma crónica de Francisco Pinto

Estudante de Economia na Nova SBE









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