Memória, perda e procura em Sétima Legião
- Francisco Pinto
- 27 de jan. de 2021
- 3 min de leitura

Do acordeão ao sintetizador, da gaita mirandesa à guitarra elétrica e da flauta ao teclado, os Sétima Legião foram provavelmente a banda mais importante na criação de uma identidade portuguesa no panorama do post-punk, movimento musico-cultural que atravessou o final da década de 70 e toda a década de 80. Numa obra de fusão entre aquilo que de melhor vinha de Manchester e alguns dos mais importantes elementos líricos e instrumentais da cultura portuguesa, Rodrigo Leão, Nuno Cruz e Pedro Oliveira beberam de grupos como Joy Division e Echo and the bunnymen para fundarem uma banda rock que mais fazia lembrar uma orquestra popular moderna na sua miscelânea sonora de modernidade e tradição.
Por quem não esqueci, de 1989, é provavelmente o tema mais popular da Sétima Legião, título somente discutível com Sete Mares, tendo sido lançado numa fase em que a banda já se sedimentara no panorama da música nacional com um equilíbrio notável entre popularidade comercial e sucesso na crítica, algo que se acentuara a partir do seu 2º álbum, após um 1º álbum bastante mais post-punk que obtivera menos popularidade, apesar das opiniões positivas dos críticos da altura.
Por quem não esqueci goza de um (não)paradoxo particularmente curioso e original, que consiste no facto de acompanhar a tradição post-punk na melancolia inerente aos seus versos, mas optar por uma concretização musical sugestiva de alegria. Os versos são curtos e relativamente simples, mas bonitos no retrato que constroem da relação do ser humano com a perda e com a memória associada à mesma. Falam-nos de um sujeito que ainda procura por alguém que já partiu e que “já não volta”, mas que inevitavelmente permanece na realidade de quem fica para trás, em memórias materiais ou imateriais que surgem como um assalto aos que se recusam a esquecer, numa espera “Em vão/Por tempos antigos/Por uma canção”.
No domínio musico-instrumental, Por quem não esqueci abre com uma melodia acústica em paralelo com uma sintetizada e assim segue, com a guitarra elétrica muito presente a ser acompanhada por uma voz grave que faz lembrar Ian Curtis, dos Joy Division, embora consideravelmente menos fria e crua. É no final do 2º refrão que somos introduzidos a um belíssimo solo de gaita mirandesa que reforça no tema o sentimento alegre, trazendo-lhe até alguma euforia que constrói um contraste bonito com a temática melancólica da canção. Neste sentido, parece-me, Por quem não esqueci não será necessariamente apenas sobre a dolorosa relação do ser humano com a perda e ausência, mas também sobre a alegria de reviver momentaneamente os “tempos antigos” e de revisitar na memória aqueles que já partiram mas que não caem em esquecimento, aspeto que se torna particularmente evidente a partir das opções instrumentais e melódicas mais alegres.
Sendo um tema melancólico, mas também algo enérgico e tocado com melodias quase dançáveis, é um tema acarinhado na história de música portuguesa, talvez pelos seus toques de modernidade em comparação com restantes canções do mesmo álbum, em que as influências celtas são ainda mais presentes. Trata-se, por isso, de um tema notável pela forma como é construído com base no post-punk, mas adquire identidade própria nas influências tradicionais que se fazem notar em particular nos instrumentos e que são responsáveis por um estilo muito próprio que marcou a versátil Sétima Legião nos seus anos de glória.
Francisco Pinto, estudante de Economia da Nova SBE
Comments