São João Paulo II – 100 anos de um grande santo do nosso tempo
- Francisco Lopes Matias
- 18 de mai. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 18 de mai. de 2023

Celebramos hoje, a 18 de Maio de 2020, o exacto centenário do nascimento, em Wadowice, de Karol Wojtyła, por todo o mundo conhecido como São João Paulo II. Como padre, Bispo e Cardeal foi um exemplo de superação, sacrifício e fé e como Papa uma inspiração para muita gente, a causa da conversão de outros tantos e, sem qualquer dúvida, o “doce Cristo na terra”, como dizia Santa Catarina de Sena a propósito da figura do Sumo Pontífice. Não há ninguém que tenha vivido há mais de 15 anos, católico ou mais afastado da fé, que não se lembre de São João Paulo II e que não tenha ficado, de certa forma, tocado e marcado por ele. Ninguém lhe foi indiferente e marcou uma época e inúmeras gerações. Mas o que tem e teve este homem de tão especial?
João Paulo II foi um homem muito especial, um padre diferente, um líder nato e uma figura extremamente carismática, que passou pelas maiores contrariedades e enfrentou, enquanto jovem, as mais brutais e desumanas tiranias. Mas havia algo que o caracterizava, o seu sorriso verdadeiramente contagiante, “de orelha a orelha”, provavelmente semelhante ao que Cristo teria.
Originário de um país em que nunca (nem nos tempos de ocupação nazi, nem na época de governação comunista) foi permitida a livre expressão da fé e a liberdade religiosa, São João Paulo II mostrou uma predilecção especial em visitar ditaduras, sempre com o objectivo de inspirar e mostrar o apoio da Igreja ao povo que sofria às mãos de líderes que não respeitavam os seus direitos e liberdades. Nas visitas à Polónia comunista, mostrou-se defensor do sindicato Solidariedade, movimento pacífico e de inspiração católica que lutava pela democracia na Polónia. Nas visitas que fez à Nicarágua, a Cuba e ao Chile, por exemplo, exigiu publicamente, perante milhares e por vezes milhões de fiéis ao vivo e um número ainda maior através dos meios de comunicação social, o fim das ditaduras, dos presos políticos e da perseguição a Igreja. Foi um Papa que lutou sempre pela paz e pela justiça social, impondo-se contra a “cultura de morte” que cada vez mais se normaliza nas sociedades modernas.
Mas apesar das imensas viagens que fazia, o Papa tinha uma vida espiritual muito intensa e profunda, que servia de verdadeira base para tudo o resto. Para além da grande devoção mariana (traduzida no seu lema TOTUS TUUS e na predilecção particular por Nossa Senhora de Czestochowa e Fátima), João Paulo II vivia verdadeiramente a Eucaristia. Acordava às cinco da manhã e dedicava as duas primeiras horas do seu dia a rezar, em profunda adoração, junto ao Sacrário. Às sete horas celebrava a Santa Missa particular, para alguns convidados, e só depois tomava o pequeno-almoço e começava a trabalhar. Sempre que tinha de tomar alguma decisão, o Santo Padre rezava-a junto de Jesus Sacramentado. Ao todo, o seu Secretário Pessoal (Stanisław Dziwisz) estima que o Papa passava cerca de 20 vezes por dia pela capela, entre refeições e reuniões, horas de trabalho e telefonemas importantes. Parece quase que esta exercia sobre João Paulo II um efeito de íman. Todas as tomadas de decisão eram feitas em conjunto com Jesus, numa comunhão de tal forma absorvente e constante que, para além de emocionar, impressionava os colaboradores próximos do Papa. A oração e, mais concretamente, a união eucarística ao Senhor Jesus, foram sempre o grande sustento de São João Paulo II, o verdadeiro centro da sua vida.
São João Paulo II desafiou as categorizações simplistas e comuns de conservador e progressista. Não é possível “colá-lo” a um lado da barricada. Wojtyla foi, para além de conciliador, essencialmente um católico. Soube sempre dar uma resposta apropriada aos tempos que corriam, utilizando para isso os valores de sempre. Falava na mesma língua do mundo, não estava uns bons séculos atrás. Mas para dar esta resposta sempre actual e adaptada aos grandes desafios do final do século XX/passagem para o novo milénio, não mudou “uma vírgula” na Verdade, na Doutrina eterna e imutável da Igreja. Mas não foi por isso que não se tornou numa das “superstars” mais famosas do seu tempo, sendo altamente popular e viajando por 130 países, o que perfez um total de 1,7 milhões de quilómetros (equivalente a ir e voltar três vezes da lua).
O papado de São João Paulo II foi, assim totalmente inovador. Foi ele quem começou realmente a aplicar o Concílio Vaticano II, nomeadamente através da tónica que deu ao ecumenismo e à importância da liberdade religiosa. Bateu-se pela liberdade de seguir Jesus Cristo nos países comunistas e ditatoriais e reuniu por variadíssimas vezes com outros líderes religiosos, como, por exemplo, nos Encontros de Assis, a 27 de Outubro de 1986, nos quais conseguiu reunir cerca de 160 líderes religiosos do mundo inteiro numa histórica oração conjunta pela paz, algo completamente inovador.
Para além disto, o Papa era uma pessoa que sabia distinguir e separar muito bem o pecado do pecador, a acção de quem a pratica. Nunca julgava as pessoas, mas sempre os actos. Fez disto mais um testemunho vivo de santidade, de acordo com o exemplo máximo de Jesus Cristo, que perdoou a adúltera (“nem Eu também te condeno”) porque reconhecia que esta era muito mais do que um pecado, não deixando, no entanto, de apontar o caminho da mudança e da virtude (“Vai e não tornes a pecar”). São João Paulo II apontava uma direcção a todos, nunca deixando, todavia, de amar aqueles que dela se afastavam, porque amar não é tolerar passivamente (outra forma de dizer “ficar indiferente”), mas sim, como um pai, orientar o andar do filho e avisá-lo, com amor, quando este se desvia, tendo sempre pronto um abraço para o caso dele se vir a arrepender.
Este papado de quase 27 anos foi também o papado da juventude. João Paulo II foi por muitos apelidado de “Papa dos jovens”, devido à conexão e ligação, nunca antes vista, que estabeleceu com os jovens. Tinha uma mensagem muito clara: ser santo não é algo reservado a homens velhos e de batina ou a irmãs de hábito e terço na mão. Ser santo é seguir Cristo todos os dias, também com a alegria e o idealismo dos homens. “Vós sois o futuro da Igreja, Cristo conta convosco”, referiu numa das centenas de audiências que teve com jovens católicos. Na Santa Missa inaugural do seu papado, a 22 de Outubro de 1978, deu a receita para a santidade, dirigindo-se especialmente aos mais novos: “Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, ou melhor, escancarar as portas a Cristo!”. O Papa incentivou fortemente, durante o seu pontificado, os movimentos juvenis e de inspiração leiga, como as EJNS, e foi o criador das Jornadas Mundiais da Juventude, que reúnem milhões de jovens do mundo inteiro numa enorme celebração da fé, na qual abunda a alegria de ser cristão e o amor a Cristo e ao Santo Padre, que lá marca sempre presença.
Contudo, o que não faltou também na vida de São João Paulo II foi o sofrimento. Aos oito anos perdeu a mãe, aos doze o irmão mais velho e aos 21 o pai. “Aos 21 anos já tinha perdido todos os que amava”, afirmou posteriormente. Podia ter-se ido abaixo, como se podia ter ido abaixo quando sofreu o atentado que quase o matou, a 13 de Maio de 1981, e quando lhe foi diagnosticado o mal de Pankinson, mas em qualquer um destes casos e em todos os momentos da sua vida, foi a fé que o salvou e foi a Cristo Crucificado que ele estendeu a mão, entregando-se completamente ao amor e à ternura do Pai e da Mãe do Céu que tudo tornam não só superável, mas, principalmente, um motivo para amar mais e para se entregar totalmente a Deus e, através d’Ele, ao próximo.
Os últimos anos da vida do Papa foram muito dolorosos. A doença de Parkinson deixava-o cada vez mais debilitado e os seus últimos meses foram uma autêntica peregrinação até ao Calvário. É impossível não ficar comovido ao ver imagens e vídeos da Via Sacra de 2005, em que o Papa, apesar das enormes dificuldades em falar, respirar ou mesmo andar, permaneceu junto à Cruz, durante quatro horas, prostrado de joelhos, numa atitude de profunda comunhão com todos os que sofrem e numa demonstração de fé que supera tudo, incluindo as mais fortes dores e os mais profundos sofrimentos. Dois dias depois, no Domingo de Páscoa desse ano, a Benção Urbi et Orbi já não foi pronunciada pelo Santo Padre, que perdera por completo as forças para falar, mas nem por isso o Papa deixou de saudar os fiéis à janela do seu quarto do Palácio Apostólico, num gesto que comoveu toda a praça. Esta foi a última vez que o fez. Como Cristo, que não desceu da Cruz, também João Paulo II não abandonou nunca o leme da Barca de Pedro, não para se mostrar chefe e possuidor de autoridade, mas porque era o guia e um autêntico “Servo dos Servos”.
Morreu a 2 de Abril de 2005 e nos dias que sucederam ao seu falecimento juntaram-se na Praça de São Pedro centenas de milhares de pessoas, incluindo um número elevadíssimo de jovens, para rezar junto ao corpo do Papa. Numa dessas noites, um jornalista, impressionado com a quantidade cada vez maior de fiéis ali presentes e, principalmente, com os milhares de jovens que esperavam dias em filas intermináveis para rezar apenas por alguns segundos diante do corpo defunto daquele que os guiara por quase três décadas, dirigiu-se a um jovem e, indignado, questionou-o em directo: “Como é que vocês, jovens, seguem em tão grande número um homem assim, tão fechado, que não apoia o aborto, a eutanásia, o casamento homossexual e o sexo livre e entre todas as pessoas? O que é que tanta gente nova via neste homem tão conservador?”, ao que o rapaz replicou, sincero e comovido: “Nem sempre nós conseguíamos fazer tudo aquilo que ele nos pedia, mas ele era o nosso pai, porque nos dizia não o que queríamos ouvir, mas o que precisávamos de ouvir. Ele amava-nos verdadeiramente. E por isso é que hoje nos sentimos órfãos”.
Esta resposta tão bonita e sentida espelha exactamente o que era este homem, um verdadeiro pai para a Igreja. Um homem de uma bondade sem limites, capaz de tudo por Jesus e pelo Seu povo. Como Pastor das ovelhas que são o mundo, São João Paulo II apontou-nos e ainda hoje nos aponta a todos o Céu, não como algo quimérico ou inexequível, mas como a meta para a qual caminhamos, dia após dia, queda após queda, sempre com um sorriso na cara e com a certeza de que nada nos fará mais felizes do que cumprir diariamente e com alegria a vontade de Deus. Nestes tempos tão conturbados e neste mundo tão complexo e difícil, há apenas uma resposta capaz de nos satisfazer integralmente, de nos realizar enquanto pessoas: “Abrir as portas a Cristo” e “escancarar-Lhe” os nossos corações, para que neles Deus possa operar livremente e, usando-nos como Seu instrumento, construir um mundo melhor, mais justo e mais solidário. Esta é a mensagem e o legado de São João Paulo II.
O autor não escreve em conformidade com as regras do novo Acordo Ortográfico.
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