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The Wall e o perigo do isolamento auto-imposto

  • Foto do escritor: Rosarinho Moreira Rato
    Rosarinho Moreira Rato
  • 14 de abr. de 2020
  • 4 min de leitura



Cada álbum dos Pink Floyd é o seu próprio mundo. Creio que devemos isto ao baixista Roger Waters, o principal responsável pelos conceitos e letras (até 1985 quando saiu da banda). A maneira como foram concebidos faz sentido do princípio ao fim, ao contrário de muitos artistas que parece que vão lançando meras coleções de músicas (sem serem necessariamente más). Torna-se quase impossível ouvir um álbum em shuffle, precisamos desta linha de raciocínio que acompanha cada obra.

The Wall foi o primeiro que ouvi inteiro, de uma só vez. Musicalmente, acabou por não ser o meu preferido, mas despertou logo o meu interesse por (maioritariamente) duas razões: por ser uma ópera rock e por ter saído no dia dos meus anos, 23 anos antes de ter nascido.

Embora as óperas rock sejam histórias gravadas e interpretadas pelos próprios artistas, sem necessariamente precisarem de ser representadas (como The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars de David Bowie), podem ser adaptadas para o palco, como as famosas Rent e Jesus Christ Superstar. The Wall foi transformado num filme, realizado por Alan Parker (Evita, Midnight Express) e com segmentos de animação da autoria do cartoonista Gerald Scarfe.

Podemos apenas nomear algumas músicas deste álbum que sejam bem conhecidas, como Another Brick In The Wall, Pt. 2 e Comfortably Numb. Mas vale a pena descobrir as outras e o que juntas têm para nos dizer.

A personagem principal é Pink, um músico deprimido e perturbado, que ao longo da sua vida vai construindo um muro metafórico e mental para se poder refugiar da dor que sente, até eventualmente completar esse muro. Os tijolos que o constituem são todos os acontecimentos que lhe causam essa mesma dor, e que nos são dados a conhecer através da música. Estes sentimentos derivam do próprio Roger Waters, que depois da primeira tour da banda em grandes estádios, sentia desprezo pelos fãs, uma vontade de se distanciar através do muro psicológico, chegando a cuspir num deles.

In The Flesh? é a sua primeira interação com o público, numa abertura de um dos seus concertos. Pink critica os fãs por terem expectativas tão inocentes, por esperarem uma experiência agradável, quando tudo o que veem é um artista mentalmente exausto e frustrado. Convida-nos então a “rasgar o disfarce” para percebermos o que está por detrás do seu estado mental, e é a voz dele (interpretado por Waters) que ouvimos a gritar “Lights! Roll the sound effects! Action!”, como que a preparar o cenário para os seus flashbacks.

Desde The Thin Ice e até Goodbye Cruel World, Pink conta-nos como se foi construindo o seu muro, quais foram os seus tijolos: uma infância infeliz, marcada por uma guerra que lhe levou o pai; uma mãe demasiado protetora, que em vez de o consolar intensificava os seus medos para que dependesse sempre dela; professores abusivos e opressivos, que humilhavam os alunos; um estilo de vida de rockstar e o abuso de drogas. O último tijolo é colocado quando descobre a infidelidade da mulher, e Pink fecha-se no seu quarto de hotel.

No segmento de Hey You a The Show Must Go On, o nosso protagonista começa a mostrar arrependimento e tenta estabelecer contacto com o exterior, apenas para se dar conta da extensão do muro e das suas consequências. O seu comportamento altera-se radicalmente e, de volta ao concerto (In The Flesh), vemos um Pink controlador, autoritário e que abusa da sua audiência, como um ditador fascista. Há ainda uma batalha interior entre um homem que se sente sozinho e um completamente iludido pelo muro que construiu (Stop).

The Trial é o que o nome indica: um julgamento onde Pink se responsabiliza pela construção do próprio muro, e todas as personagens que ao longo da vida lhe causaram dor, os tijolos, culpam-no de a causar nos outros também. O “juiz” declara a sua sentença: destruir o muro, deixando Pink exposto e vulnerável. Terminamos com Outside The Wall, e nos últimos segundos é possível ouvir as palavras “Isn’t this where...” que ligam à primeira música, onde ouvimos “...we came in?” mesmo antes de começar o concerto de Pink. Esta frase que conecta o fim ao princípio dá a ideia de que o construir e demolir do muro é um processo cíclico, que acontece uma e outra vez.

Toda a vida lhe faltou o apoio de que necessitava, deparando-se com dor e medo em todo o lado. A sua necessidade de parar esta dor leva-o a não querer sentir nada e a afastar-se de tudo. Nós enquanto seres humanos precisamos uns dos outros. Quando não nos sentimos acolhidos e amados por ninguém, ficamos sozinhos com a nossa dor. Para uns são momentos, para outros é uma vida inteira. Eventualmente, a solidão constante leva a danos profundos e a vidas arruinadas.

Não podemos culpar a sociedade de todos os males, de todos os criminosos e psicopatas, mas a verdade é que muitos deles vêm de feridas causadas por outras pessoas (um tema bem explorado no Joker de Todd Phillips). Não, não podemos incluir toda a gente na nossa vida, mas podemos começar com quem está à nossa volta, porque nem sempre é visível quem está a sofrer.

Não nos deixemos isolar no nosso próprio muro.

All alone, or in two's The ones who really love you Walk up and down outside the wall Some hand in hand And some gathered together in bands The bleeding hearts and the artists Make their stand

And when they've given you their all Some stagger and fall, after all it's not easy Banging your heart against some mad bugger's wall

(Outside The Wall, Pink Floyd)

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