Trump vs. Biden, o debate: as ideias de cada um e o frente-a-frente que finalmente esclareceu
- Francisco Lopes Matias
- 27 de out. de 2020
- 14 min de leitura
Atualizado: 28 de out. de 2020

A exactamente uma semana das decisivas eleições norte-americanas, que colocarão frente-a-frente o Presidente Trump e o ex-Vice-Presidente Joe Biden, um bom exercício para uma melhor compreensão do que está em jogo poderá ser olhar para o que se passou no segundo e último debate presidencial, que ocorreu na noite da quinta-feira passada, em Nashville (Tennessee).
Apesar de não perfeita, estivemos (finalmente!) perante uma discussão saudável e civilizada entre os dois candidatos à Casa Branca. Parece-me ser esta uma descrição apropriada ao que se passou na noite do último dia 22.
É por isso com alívio que constatamos que este confronto televisivo, em comparação com o de 29 de Setembro, marcou o fim das “lutas de recreio” e o regresso aos habituais debates presidenciais. Um indicador disso mesmo é que voltou a ser possível avaliar as prestações dos candidatos como “melhor”, ao invés de apenas “menos mau”.
Os temas abordados no debate foram seis, sendo alguns deles repetidos face ao primeiro confronto. O debate dividiu-se então nas seguintes secções: luta contra a COVID-19; famílias americanas e situação económica; racismo na América; alterações climáticas: segurança nacional e, por fim, capacidade de liderança de cada um. A moderação ficou a cargo de Kristen Welker, a repórter da NBC na Casa Branca.
O primeiro tema em cima da mesa foi, naturalmente, a pandemia, em que Trump e Biden trocaram acusações e mostraram ter uma visão diametralmente oposta da realidade. Se Biden acusou o Presidente de ter gerido mal e irresponsavelmente a situação sanitária, definindo-o como o responsável directo pelas mais de 220 mil mortes, não tendo sequer a dignidade de assumir qualquer responsabilidade pelas suas políticas erróneas (como a recomendação do não uso de máscara ou a grande oposição a confinamentos); Trump começou por garantir que teria uma vacina dentro de poucas semanas (o que minutos mais tarde acabou por corrigir, dizendo que esta estaria disponível “até ao final do ano”) e referiu que a situação estava gradualmente a melhorar a nível nacional e estatual. Em resposta directa ao adversário, disse assumir “total responsabilidade” pela gestão da pandemia e lembrou que em Janeiro, “antes de toda a gente falar nisso” e perante a crítica de Biden (“O Joe chamou-me xenófobo”), ordenou a suspensão imediata de todos os voos provenientes da China, o que apresentou como uma medida “visionária” e que “salvou milhares de vidas”.
O Presidente acrescentou ainda que se esperavam em Março mais de dois milhões de mortes, em comparação com as 220 mil que de facto pereceram, um número que, segundo Trump, se deve aos bons resultados no combate americano à pandemia. O candidato republicano abordou ainda a sua relação agridoce com as máscaras, defendendo-se com a alegação de que Fauci recomendara o seu não uso (“Ninguém sabia o que isto era, de onde vinha. Aprendemos muito. O Anthony disse ‘não usem máscara’. Ele disse ‘não é problema, vai desaparecer rapidamente”). Por último, Trump atacou os democratas por “só quererem fazer confinamentos”, alegando que é preciso aprender a viver com o coronavírus. “Aprender a viver com isto? Estamos a aprender a morrer com isto”, rematou Joe Biden em jeito dramático.
A discussão seguinte, sobre segurança nacional, começou com uma declaração assertiva de Biden, que prometeu que “qualquer país que interfira nas eleições vai pagar um preço por isso”, acusando de seguida Trump de não defender a soberania americana face à interferência russa, numa clara alusão ao polémico caso de intromissão de Moscovo nas eleições presidenciais de 2016, em suposto benefício do actual Presidente. Em resposta, Trump disse que “ninguém foi tão duro contra a Rússia” quanto ele, acusando Biden de ter ilicitamente ganho 3,5 milhões de dólares “através de Putin”, aproveitando ainda o momento e o tema para acusar o candidato democrata de um alegado esquema, denunciado por um antigo colaborador de Hunter Biden (filho de Joe Biden) e divulgado no New York Post, segundo o qual o pai teria recebido, através do filho, dinheiro proveniente de uma empresa energética chinesa, com um envolvimento indirecto da Ucrânia e da Rússia. Isto tudo durante o mandato de Obama, no qual Biden desempenhava o cargo de Vice-Presidente, sendo também o responsável pelas relações externas com a Ucrânia, onde Hunter trabalhava, na maior empresa energética nacional, a Burisma, envolvida em diversas suspeitas.
Perante esta acusação, o candidato democrata garantiu nunca ter recebido “qualquer tostão de uma entidade estrangeira”, apontando depois o dedo a Trump, que, segundo o New York Times, mantém uma conta bancária secreta na China. O Presidente negou esta polémica, referindo que fechou a alegada conta antes de se candidatar em 2016. Sobre as notícias, também do NYT e muito em voga nas últimas semanas, que apontam que Trump só pagou 750 dólares em impostos no ano em que chegou à presidência, o Presidente garantiu ter pago “milhões e milhões de dólares” antecipadamente, assegurando que vai mostrar “brevemente” as suas declarações. Biden, categórico, provocou: “Mostre-nos. O que está a esconder?”.
No que toca a política externa, Biden acusou Trump de não afirmar os EUA perante os seus adversários e de comportamentos hostis para com os aliados (“O que é que ele faz? Recebe de braços abertos tipos como os malandros na Coreia do Norte, o Presidente chinês, Putin e outros, e vira as costas a todos os nossos aliados”). Donald Trump, não respondendo directamente à provocação do oponente, alegou que a China “já está a pagar milhares de milhões de dólares”, referindo-se às sanções sobre o aço e outros produtos” levadas a cabo nos últimos meses pela sua Administração.
Quando questionado por Kristen Welker sobre o armamento arsenal que a Coreia do Norte continua a desenvolver apesar da aproximação conseguida nos últimos quatro anos, o Presidente lembrou que, no mandato de Obama, a Coreia do Norte era o maior problema dos EUA e que havia uma guerra iminente, acrescentando que “agora” ambos, Trump e Kim Jong-un, têm “uma boa relação e não há guerra”. “Ter uma boa relação com líderes estrangeiros é uma coisa boa”, concluiu o Presidente, ao que Biden respondeu, de uma forma algo heterodoxa, que os EUA tinham “uma boa relação com Hitler antes de ele invadir a Europa”.
No tópico “famílias americanas” abordou-se, em primeiro lugar, a saúde e, inevitavelmente, o Obamacare. Sobre isto, Trump lembrou que acabou com a “pior parte do Obamacare”, o “mandato individual”, ou seja, a directiva, sob pena efectiva de multa, que obrigava toda a gente a ter um seguro de saúde. Reiterou ainda a intenção de revogar totalmente a imensa reforma sanitária levada a cabo pelo Presidente Obama (“O que queremos fazer é acabar com o Obamacare. Já não temos o mandato individual. Se não ganharmos [final do Obamacare], então vamos ter de continuar com o Obamacare, mas já não será o Obamacare, porque sem o mandato individual já é diferente”). O candidato republicano garantiu ainda que pretende um novo sistema de saúde, em que estejam salvaguardados os direitos das pessoas com doenças pré-existentes (uma característica do Obamacare).
Sobre a possibilidade de o Obamacare ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal, o candidato democrata avançou com um “Bidencare”, um sistema de saúde que garantiria que qualquer pessoa que não tenha seguro privado possa ter acesso directo e automático a um seguro público. Acrescentou ainda que Trump “não tem nenhum plano”.
Sobre economia e desigualdades sociais, Trump foi confrontado com o actual número superior a 12 milhões de desempregados (que eram 39 milhões em Abril e Maio) e com a incapacidade por parte do Governo de conseguir aprovar o programa de apoio financeiro às famílias na sequência da pandemia, respondendo que o dito programa só não é aprovado “porque a Nancy Pelosi não o quer aprovar”, numa referência à oposição democrata. Biden contrapôs, defendendo que são os republicanos que não querem aprovar a lei proposta pelos democratas, ao que Trump retorquiu que a proposta democrata não é mais do que “um resgate a estados e cidades geridas por demoradas” e não um apoio real às famílias. O candidato democrata não se conformou com a resposta e afirmou que quer ser presidente de todos os americanos, não vendo por isso “estados vermelhos ou estados azuis, mas os Estados Unidos”.
Mantendo o tópico económico, o Presidente Trump gabou-se dos mercados financeiros (“Há quem diga que o mercado de acções vai disparar se eu for eleito. Se ele for eleito, o mercado de acções vai cair”), retorquindo o democrata que, de onde vem, “Scranton e Claymont, as pessoas não vivem do mercado de acções”.
Sobre outro tema muito falado, o salário mínimo, os dois candidatos foram questionados sobre se este é o momento certo para aumentar o salário mínimo, ao que Biden respondeu afirmativamente, como forma de ajudar os negócios mais pequenos. Trump questionou a lógica do oponente, defendendo que essa deve ser uma opção de cada estado, tendo em conta as condições económicas específicas. “Como é que vamos ajudar os negócios mais pequenos obrigando-os a pagar salários mais altos? Isso vai provocar milhões de despedimentos”.
Um dos pontos mais contestados da presidência de Donald Trump foi a existência de famílias separadas à fronteira, de modo que a moderadora lembrou que existem cerca de quatro mil crianças cujos pais ainda não foram localizados, tendo sido separadas dos mesmos na fronteira que separa os Estados Unidos e o México. Donald Trump assumiu que essa medida foi um erro, mas argumentou que “estas crianças são trazidas por contrabandistas e pessoas muito más que as usam para entrar no nosso país”, ao que Biden respondeu que as crianças “foram separadas à fronteira como manobra de desincentivo à imigração. Não foram contrabandistas que as trouxeram, foram os pais. E isso faz de nós alvos de chacota no mundo e viola qualquer noção daquilo que nós somos enquanto nação”, ao que Trump lembrou que, em 2014, a Administração de Obama e Biden construiu gaiolas na fronteira norte-americana com o México, como forma de parar a imigração ilegal. “Eles é que construíram as jaulas. Foi Obama, foi o Joe Biden”.
Da imigração ao racismo foi um pequeno passo e, uma vez mais, as questões voltaram a aquecer o debate entre os dois, ainda para mais depois do debate de Cleveland, em que Trump não foi claro na condenação dos supremacistas brancos e no qual Biden se referiu ao violento grupo ANTIFA como apenas “uma ideia”. Desta vez, Joe Biden começou por falar da duplicidade de critérios por parte das autoridades policiais e do “racismo estrutural da América”, lembrando que tem sido uma constante a preocupação política com a inclusão. “Este é o primeiro Presidente que diz que não o vamos fazer mais”. Como resposta, Trump afirmou que o democrata nunca fez nada para ajudar as comunidades afro-americanas, ao contrário de si mesmo. “Ninguém fez mais pela comunidade negra do que Donald Trump. Com a possível excepção de Abraham Lincoln”, referiu o Presidente, num tom sério, embora colocando-se num pedestal ousado. “Sou a pessoa menos racista nesta sala”. Como prova disso, Trump deu o exemplo das “Opportunity Zones”, um programa de benefícios fiscais lançado pela sua Administração e que é aplicado a comunidades desfavorecidas, tendo particular influência no que toca às comunidades afro-americanas.
Quando confrontado com as suas declarações (por muitos consideradas odiosas) sobre o movimento Black Lives Matter, o presidente referiu que a primeira vez que ouviu falar do BLM foi quando viu um grupo que cantava a favor de que se “fritassem” os “porcos”, numa clara manifestação de ódio para com a polícia, acrescentando que tem “boas relações com toda a gente”. Após insistência da moderadora, Trump enumerou algumas medidas tomadas pela sua Administração que considera que produziram efeitos altamente proveitosos para a comunidade negra (“Não sei o que dizer. Tratei da reforma do sistema de justiça, das prisões, criei as zonas de oportunidades, ajudei universidades negras. Não sei o que dizer. Eles podem dizer o que quiserem. Isso deixa-me triste, porque eu sou a pessoa menos racista… Nem consigo ver a plateia porque está muito escuro, mas não quero saber quem está lá. Eu sou a pessoa menos racista nesta sala”).
Na resposta a isto, Joe Biden reagiu com aquela que foi, sem grandes dúvidas, a grande gaffe do debate, trocando o Presidente Trump por Abraham Lincoln, o presidente que aboliu a escravatura. “Abraham Lincoln é um dos presidentes mais racistas da História Moderna”, disse. Donald Trump não ficou indiferente e respondeu, num misto de humor e sarcasmo, que iniciou entre os dois um diálogo insólito: “Fez uma referência a Abraham Lincoln, de onde é que isso veio?”. Biden reagiu: “Você disse que era o Abraham Lincoln”, ao que Trump respondeu: “Não, não, eu disse que ‘desde Abraham Lincoln ninguém fez o que eu fiz pela comunidade negra’. Eu não disse que era o Abraham Lincoln”.
Mas Trump continuou e acusou Biden de ter apoiado, na década de 1980, uma lei que aprovou penas de prisão muito duras pela posse de pequenas quantidades de droga, sendo esta uma medida que afectou especialmente a comunidade afro-americana, acusando ainda o adversário de se ter referido no passado aos negros como “predadores”. Joe Biden assumiu tais medidas e pediu sinceras desculpas (“Nos anos 80 passámos — a 100%, todos os senadores votaram — uma lei sobre as drogas e como lidar com elas. Foi um erro. Tenho tentado mudar isso desde então, sobretudo a parte sobre a cocaína. Por isso é que defendo que não devemos mandar ninguém para a prisão por uma contraordenação por drogas puras, devem receber tratamento”). Mas o Presidente não se ficou por aqui e acusou Biden de incoerência: “Porque é que não fez isso nos oito anos em que lá esteve? Agora diz que vai fazer isto e aquilo. Você pôs dezenas de milhares de jovens, sobretudo jovens negros, na prisão. Agora diz que vai reverter isso. Porque é que não fez isso durante os oito anos que esteve no governo com Obama?”, rematou. Joe Biden culpou o Congresso republicano.
As alterações climáticas são um dos temas mais queridos dos democratas, especialmente desde que Trump retirou os EUA do acordo ambiental de Paris, mas coube ao Presidente introduzir o tema: “Eu amo o ambiente. O que eu quero é a água mais cristalina, o ar mais limpo. Temos o melhor número de emissões de carbono em 35 anos”, comparando os EUA à China, à Rússia e à Índia, que, segundo o candidato à reeleição presidencial, para além de “imundas”, não respeitam os acordos internacionais. No entanto, apesar de afirmar que “ama” o ambiente, Trump não equaciona um regresso ao Acordo de Paris, sendo bastante taxativo sobre essa matéria: “Não vou sacrificar dezenas de milhões de empregos por causa do Acordo de Paris”. Biden, pelo contrário, prometeu o regresso ao Acordo de Paris, qualificando as alterações climáticas como uma “ameaça existencial à Humanidade”, que se aproxima a passos largos do “ponto de não-retorno”.
Acusou ainda Trump de reverter várias políticas essenciais tomadas no mandato anterior e prometeu um plano económico que alia indústrias sustentáveis e emprego. “Vamos criar 8,6 milhões de empregos e ao mesmo tempo ajudar o ambiente”, especificou, citando números de Wall Street. No entanto, Trump criticou o plano de Biden e acusou-o de ser irresponsável (“Vai custar 100 biliões de dólares”), sem mencionar, todavia, a fonte para esses números. Assistiu-se depois a uma polémica à volta do fracking (um método de extracção por meio hidráulico de gás natural), que Trump acusou insistentemente Biden de pretender abolir. Biden defendeu, contudo, que quer restringi-lo, mas não aboli-lo imediatamente, ao que Trump respondeu que o democrata pretende “destruir a indústria do petróleo”.
Como forma de encerrar o debate, Kristen Welker dirigiu-se aos dois por igual: "Imaginem que é o dia da tomada de posse, o que diriam aos eleitores que não votaram em vocês?". Trump foi o primeiro a ter a palavra: “Temos de levar o nosso país ao sucesso, como estava a acontecer antes da chegada da praga da China. Agora estamos a reconstruir, com números recorde de 11,4 milhões de empregos. (…) Tínhamos os melhores números de emprego da História do nosso país: negros, hispânicos, mulheres, asiáticos, pessoas com diplomas ou sem diplomas, licenciados do MIT, todos tinham emprego. O sucesso vai unir-nos e nós estamos a caminho do sucesso. Eu quero cortar os impostos, mas ele quer subi-los”, referiu, apontando para Biden. “Se ele ganhar, vão ter uma depressão como nunca, os vossos planos de poupança-reforma vão para o diabo e será um dia muito, muito triste para este país”.
Perante a resposta assertiva de Trump, o candidato democrata não lhe ficou atrás, definindo as suas prioridades: “Sou um Presidente americano, represento-vos a todos, quer tenham votado em mim ou contra mim. Vou garantir que são representados, vou dar-vos esperança. Vamos avançar. Vamos escolher a ciência no lugar da ficção, a esperança no lugar do medo. Vamos escolher avançar porque temos oportunidades enormes para melhorar as coisas. Podemos fazer a economia crescer, lidar com o racismo sistémico e, ao mesmo tempo, garantir que a nossa economia é movida por energia limpas que criam milhões de novos empregos. O que vai a votos é o carácter deste país. A decência, a honra, o respeito, tratar as pessoas com dignidade e garantir que todas as pessoas têm uma oportunidade igual. Vou assegurar-me de que a terão, porque não a têm tido nos últimos quatro anos”.
O debate foi assim um excelente momento televisivo e, acima de tudo, relativamente esclarecedor. A prestação de Donald Trump melhorou consideravelmente desde o debate de 29 de Setembro, na medida em que vestiu finalmente o fato de Presidente, carismático mas educado (naturalmente que a grande quebra nas sondagens após o confronto de Cleveland esteve na origem desta mudança de atitude), e, essencialmente, a moderação do debate teve um crescimento exponencial de qualidade face a Chris Wallace, se bem que com a preciosa ajuda dos microfones desligados. Joe Biden mostrou-se igual a si mesmo: não um orador muito capaz nem muito carismático, mas um político nato, com um conhecimento profundo da política americana e com relativa destreza na abordagem dos temas. Fez questão de se apresentar como um moderado, o que é essencial para captar os votos mais ao centro.
Se tivesse de escolher um vencedor, embora não seja nada fácil, arriscaria o Presidente Trump, não só pela questão das expectativas como também pela prestação concreta no debate. Se por um lado as expectativas criadas depois do primeiro confronto eram as de ver um Trump completamente desnorteado e a “disparar em todas as direcções”, o que assistimos neste second round foi a um Presidente decerto combativo e carismático, mas organizado na exposição das ideias, educado, bem-humorado, moderado e capaz de falar a algum eleitorado do centro-direita mais indeciso ou a alguns descontentes que nele confiaram em 2016.
Para além disso, o Presidente Trump foi particularmente eficaz ao passar a ideia de que Biden era o típico político de carreira que pouco ou nada concretizava na prática, confrontando o oponente democrático cada vez que este apresentava uma nova promessa com a pergunta, obviamente retórica, "Propõe tanta coisa, fala tanto sobre o que vai fazer, mas esteve tanto tempo na política e até há tão pouco tempo. Porque é que não fez isso?". Levando esta estratégia enfática e repetitiva à exaustão, Trump disparou, a certa altura do debate, "Sabe, Joe, eu concorri (em 2016) por sua causa. Por causa de Barack Obama, porque fizeram um trabalho muito pobre. Se tivessem feito um bom trabalho, eu nunca teria concorrido. Estou a olhar para si agora, um político. Eu concorri por sua causa".
Todavia, se alguém tinha algo a perder e por isso muito que arriscar, seria certamente o Presidente Trump, já que as sondagens (nacionais e estaduais) são claras na vantagem muito considerável que Biden leva face ao actual Presidente. Pedia-se a este último apenas que fosse consistente e claro no discurso e nas propostas que apresentasse e que soubesse responder calma, mas assertivamente, às acusações que Trump inevitavelmente lhe iria dirigir. Neste aspecto, soube defender-se muito bem da retórica (em voga entre os Republicanos) que o cola ao socialismo, distanciando-se de Bernie Sanders e da ala radical do Partido Democrata (“Eu sou o Joe Biden, não o Bernie Sanders. E só cá estou, porque venci todos os outros, incluindo o Senador Sanders”).
E se a moderação de Kristen Welker foi de muita qualidade ("Respeito muito a forma como tem conduzido este debate", disse o Presidente a Welker) e a abrangência dos temas relativamente interessante, houve, pelo menos, um tópico que não foi abordado e que parece absolutamente fulcral e determinante: vai ou não Trump reconhecer uma eventual derrota? Esta pergunta, aparentemente de resposta óbvia, não foi ainda explicitamente respondida pelo candidato republicano, que quase diariamente alerta para o que chama de “risco de fraude” supostamente associado ao voto por correspondência, forma de eleição através da qual mais de 50 milhões de cidadãos americanos já votaram.
A uma semana do acto eleitoral, tudo parece encaminhado para uma vitória de Biden, liderando o candidato democrata as sondagens em todos os swing states - à excepção do Ohio, Florida e Iowa – e por uma margem consideravelmente maior do que Clinton em 2016, sendo o número de indecisos consideravelmente inferior aos verificados na última eleição. Todavia, apesar da posição muito difícil em que se encontra, Trump não deitou ainda “a toalha ao chão”, como indica por exemplo um gesto aparentemente insignificante, mas cheio de significado: instantes antes da entrada do Presidente dos EUA num comício em Pensacola (Florida) na sexta-feira, cantava-se em uníssono a famosa música “Don't Stop Believin'” dos Journey, cujo título não podia ir mais de encontro ao espírito actual dos apoiantes de Trump.
O autor não escreve em conformidade com as regras do novo Acordo Ortográfico.
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